DOM PEDRO II E SEUS JUDEUS AMIGOS


Colega de militância universitária, ele Ciências Sociais e eu Economia, sabedor dos interesses que nutro por biografias, remete-me da capital paulista a excelente trajetória de Dom Pedro II, de Roderick J. Barman, brasilianista professor de História na Universidade de Colúmbia Britânica, Canadá. Intitulado Imperador Cidadão, o livro foi editado pela Editora Unesp, revelando um imperador de autodisciplina ferrenha, prudente e engenhoso, que se comparava a “um homem encerrado numa torre envidraçada”, a despertar simpatias, exasperações e respeitos. Um monarca que se empenhou em transformar o Brasil num verdadeiro Estado nacional.

Como possuidor do texto da carioca Sônia Sales, paulistana há mais de 25 anos, D. Pedro II e seus amigos judeus, Goiânia, Kelps, 2011, bem menos volumoso, preferi por ele iniciar-me num melhor conhecimento sobre o imperador, o primeiro príncipe brasileiro, com 1,90m de altura, “cuidadoso com as palavras, caráter enigmático e pouco suscetível” … “um jovem elegante, com cabelos alourados, olhos azuis e bastante europeu, apesar de ser brasileiro nato”. E eis que constato, no relato da Sales, o denso entrosamento de Pedro II com os judeus, a ponto de fazê-lo um estudioso do hebraico, tendo sido seu primeiro professor o judeu sueco Leonhard Akerblom, em 1860, continuando a estudar, após a morte deste, com Karl Henning, que também o ensinou a dominar o sânscrito. Mas foi Christian Friedrich Seybold, filólogo alemão e professor de línguas orientais da Universidade de Tuninga quem o aprofundou em hebraico e sânscrito, acompanhando-o no exílio até seus últimos instantes.

Dom Pedro II costumava dizer que se dedicava aos estudo do hebraico para melhor assimilar a história e a literatura judaica, ensejando-lhe ler os livros dos Profetas em textos originais. Ele verteu para o hebraico versos de Camões, traduzindo ainda para o latim partes do Velho Testamento, entre eles o Cântico dos Cânticos, Isaías, Eclesiastes, Lamentações, o Livro de Ruth e o Livro de Jó. E pouco antes de eternizar-se, 1891, concluiu um livro com traduções de poesias judaicas.

Em agosto de 1889, o Grão-Rabino Benjamim Mossé enviou a seguinte carta ao Imperador Pedro II, acompanhada de sua biografia por ele escrita. Ei-la: “Uma das mais belas retribuições de minha vida será apresentar, como historiador francês, o mais moderno dos imperadores, Dom Pedro II. Com os sentimentos de minha devota admiração, imploro a Sua Majestade aceitar esta nova oferenda e as mais profundas homenagens de seu humilde e respeitoso servo, discípulo de Moisés e dos Profetas, que invoca para a Sua Majestade, Sua Augusta Familia e seu Povo, a graça divina do Supremo e Criador, para que Ele o proteja contra os ataques dos insensatos e o coloque à sombra das suas Asas (em hebraico) e que os anjos o acompanhem em todas as Suas andanças. Benjamim Mossé Grão-Rabino Oficial da Instrução Pública.”

Para que não se diga que a biografia não teve aplausos, basta ler o testemunho de Alexandre Dumas Filho, um dos mais famosos intelectuais da época: “Caro Senhor: Eu era, com effeito, director da Academia quando S.M. O Imperador do Brasil, Dom Pedro II, nos deu, em 1887, a honra de assistir a duas sessões nossas. … Tendes razão, Senhor, em escrever a história desse mocarcha liberal que reina desde a idade de seis anos e cuidou sempre do progresso, da liberdade e felicidade do seu paiz. Feliz Monarcha!! Povo feliz!!”.

Esclarece a pesquisadora Sônia Sales: “A biografia de Dom Pedro II escrita por Mossé foi publicada em Paris pela Librarie de Firmin – Didot et cie. Imprimeurs de L’institut, Rue Jacob 56: D. Pedro II, Empereur du Brésil-1889”. E para quem ainda duvida da existência da citada biografia em nosso idioma, um exemplar, editado por Edições Cultura Brasileira S/A, São Paulo, Collecção Grandes Homens, intitulado Vida de Dom Pedro II, pode ser visto no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. E a autora Sales ainda confessa em seu livro: “Por estranha coincidência, nas minhas andanças em sebos e livrarias, em viagem a Pernambuco, descobri e consegui comprar um exemplar em português”. Certamente no Sebo Brandão, um dos maiores e mais famosos antiquários literários do Brasil.

Inúmeras personalidades judaicas são citadas no livro da Sônia Sales, inclusive o pianista Louis Moreau Gottschalk, que veio ao Brasil em 1869 e fez enorme sucesso em seus concertos, muitos deles contando com a presença do Imperador, tendo escrito a Grande Fantasia Triunfal, baseada no Hino Nacional, tocada pela vez primeira em 1869, com uma orquestra de 650 músicos.

Na Palestina, certa feita, em visita à Sinagoga Samaritana, Pedro II pediu para ler a Torá. Ofereceram-lhe uma muito antiga, ainda de pele de gazela, que continha o Pentateuco escrito em letras fenícias que eram quase idênticas ao primitivo alfabeto hebraico. E o Imperador foi merecedor de múltiplos elogios após leitura impecável.

A cultura de Pedro II era reconhecida em toda Europa. Diz a autora Sales: “Shlomo Harati, professor de Linguística Aplicada na Universidade Hebraica, menciona o testemunho de Ephrain Deynard, bibliógrafo e amigo do Imperador: ‘Desta forma Sua Magestade destacou-se e gravou seu nome, em letras luminosas, ha história e no coração do povo do Deus de Abraão…’”

O livro da Sônia Sales ainda cita muitos outros estudiosos do naipe de José Antônio Gonsalves de Mello e Leonardo Dantas Silva, duas admirações minhas de longa data E também me fez mergulhar na leitura da biografia escrita por Roderick J. Barman, editado no Brasil pela sempre competente Editora Unesp, orgulho nacional. Sobre um imperador que escreveu em seu diário, em 1891: “Porque nunca amei o poder por ambição pessoal, nunca tive qualquer desejo que não fosse o de promover o bem-estar de meu país e eu nunca ansiei ser outra coisa que não um pastor do povo”. Um imperador de feitos e influências significativas para a consolidação do Estado brasileiro.

(Publicada em 19.11.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)