DOIS LIVROS DE UM MESTRE


Estamos atravessando, neste conturbado século 21, instantes de atordoamentos causados por níveis culturais vexatórios. Onde leituras sementeiras estão sendo postas de lado, ignoradas em quase sua totalidade, substituídas equinamente por textos onde preponderam um vocabulário de mínimas palavras. Voltados para apenas atender anseios de ocasião, às vezes provocados por uma mídia televisiva portentosa, viciada em anestesiar milhões de incautos. Muitos dos quais se imaginam alienadamente por dentro do furacão, mal passando de piabinhas ingênuas digeridas por tubarões financeiros de um mundo que necessita ser mais digno e profundamente mais humano e solidário.

Perguntam-me vez por outra por livros que fortaleçam níveis culturais, propiciando uma visão mais consentânea de um mundo que se encontra num processo de parto, findando uma era e se iniciando numa outra, entre as duas acontecendo inúmeras crises, mais ampliadas diante das resistências impostas pela que se finda e as incontáveis incompetências estratégicas de conquista das áreas emergentes, cada vez menos humanisticamente densas, individualistas, dotadas de tecnologias de ponta para um mínimo, proporcionando uma atentatória distribuição de renda que lança milhões em condições sub-humanas.

Não sendo um especialista em desenvolvimento cultural, apenas um pesquisador social alimentado por incentivos paternos e uma vivência de três décadas entre os notáveis da Fundação Joaquim Nabuco, onde assimilei uma visão interdisciplinar das ciências, ousaria indicar dois livros que muito poderiam contribuír para uma “enxergância” maior do meu país, do meu Nordeste e de muitos povos e gentes, com suas trajetórias de acertos e desacertos, conquistas e fracassos, alegrias e frustrações. Dois livros de um só autor, Mortimer J. Adler (1902-2001), filósofo, professor e teórico norte-americano da educação, nascido em Nova York de uma família judia, que abandonou a escola aos quatorze anos, pretendendo tornar-se jornalista. Posteriormente, tencionando melhorar a escrita, matriculou-se na Columbia University, onde se deparou com obras de Aristóteles, Santo Tomás de Aquino, John Locke, John Stuart Mill e muitos outros. De tanto se enfronhar nas leituras, não conseguiu cumprir os requisitos mínimos para fazer jus a uma graduação, embora logo depois a Universidade o tenha contemplado com um doutorado honorário, dada a excepcional qualidade dos seus escritos.

Em seus livros, Mortimer Adler sempre evita a linguagem acadêmica, tornando seus pensamentos acessíveis a qualquer pessoa, mesmo não integrando o rol dos eleitos acadêmicos e especialistas. Na Universidade de Chicago, colaborou com a criação do Institute for Philosophical Research da Universidade da Carolina do Norte, também do Aspen Institute e do Centro for the Study of the Great Ideas.

O primeiro livro, Como ler Livros: o guia clássico para a leitura inteligente, SP. É Realizações, 2010, 430 p., é composto de quatro partes: As dimensões da leitura, O terceiro nível da leitura: a leitura analítica; Como ler diversos assuntos; e Os fins últimos da leitura. Com dois apêndices: um com leituras recomendadas e outro com exercícios e testes sobre os níveis de leitura.

No prefácio, o professor José Monir Nasser afirma que ampliar a habilidade da leitura é um dos problemas mais complexos das artes de educação. E considera Mortimer o maior filósofo da educação do século XX, sempre lutando para preservar a educação “dos modismos produzidos por pedagogos revolucionários e engenheiros sociais, origem das novas pedagogias pseudolibertadoras”. E o prefaciador ainda cita o padre A.-D Sertillanges (A Vida Intelectual, SP, É Realizações, 2010, p. 124) que estabelece cinco tipos de leitura: fundamentais, ocasionais, de treinamento, edificantes e relaxantes). E o parágrafo final do professor Nasser é identificador por excelência: “O livro de Mortimer Adler, além de manual abrangente de técnicas de leitura, é um estudo ontológico sobre a natureza da leitura, sugerindo a unidade fundamental do gênero nos diversos patamares da certeza e nas diversas profundidades de leitura, articulando a profundidade da análise com cobertura da extensão geométrica da variação dos gêneros”.

O segundo livro é Como pensar sobre as grandes ideias, Mortiner Adler, SP, É Realizações, 2013, 575 p. Os 52 capítulos do livro são transcrições editadas da série norte-americana de TV apresentada por Mortiner, transmitida em 1950. No livro, os leitores brasileiros terão acesso às estupendas análises filosóficas de Adler sobre as grandes ideias, tendo oportunidade de desenvolver seus próprios pensamentos. Alguns capítulos imprescindíveis: 1. Como pensar sobre a verdade; 3. A diferença entre conhecimento e opinião; 11. Como pensar sobre emoção; 21. Como ler um livro; 28. Com pensar sobre justiça; 33. A dignidade de todos os tipos de trabalho; 40. Como pensar sobre o governo; 44. Como pensar sobre democracia; 48. Como pensar sobre filosofia; 50. Como pensar sobre Deus.

Do prefácio: “Mortimer Adler nos ensinou que todos somos filósofos. Todos nós pensamos – de modo satisfatório ou desleixado, entusiasmado ou desatento. A mais simples percepção dos sentidos – uma folha que cai, uma estrela que brilha, um bebê que sorri – desperta nossas mentes, assim como estimula nossos sentimentos, e nos força a perguntar: Por quê?, O quê?, De onde? e Para onde?.”

Dois livros de um mestre inesquecível. Para leitores que buscam melhor antenação num mundo repleto de idiotices dogmáticas, ideologias ilusórias e messianismos dos alucinados de sempre.

(Divulgado em 06.06.2016, no www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves