DISCURSO MULTIDIRECIONADO


O pronunciamento feito pela presidenta Dilma Roussef na abertura da Assembleia Geral da ONU pode ser entendido como um baita alerta para os mais variados recantos políticos de um mundo que está assistindo passivamente o massacre de milhões de seres humanos pela desnutrição e pela fome, o principal escândalo planetário deste ainda começo de terceiro milênio. Para se ter uma ideia do gravíssimo alerta emitido pela presidenta, basta a citação de uma estatística horripilante: em 2008, a fome matou mais pessoas que todas as guerras acontecidas naquele ano! Segundo Jean Ziegler, ex-relator da ONU para Direito à Alimentação, “a fome é, hoje, a principal causa de morte em nosso planeta. E essa fome é feita pelas mãos do homem, quando o relatório da FAO mostra que, a cada ano, a agricultura mundial poderia alimentar sem problemas 12 bilhões de seres humanos, a razão de 2.700 calorias por dia por pessoa”. E disse mais, antecipando-se ao pronunciamento da presidenta Dilma: “A mundialização realiza a fusão progressiva e forçada das economias nacionais em um mercado capitalista mundial e em um cyberespaço unificado. … Pela primeira vez em sua história, a humanidade goza de uma abundância de bens. O planeta desaba sobre riqueza. Os bens disponíveis são em muitas vezes superiores às necessidades dos seres humanos. Mas os locais onde se faz o charco também aumentam”.

E foi atenta ao drama de mais de 2 bilhões de seremos humanos que vivem na miséria absoluta, definida pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que a presidenta denunciou o genocídio infligido pela oligarquia do capital mundializado, ao qual se agregam os corruptos de colarinho branco, que agem com descaramento sempre com a cumplicidade ativa de parte dos setores públicos e privados, macomunados em torno de uma gigantesca máquina efetivadora de mortes.

Em seu pronunciamento, a presidenta parecia também estar se dirigindo ao Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores brasileiros, encarecendo coragem e sinceridade no trato da coisa pública, para evitar “grave ruptura política e social, uma ruptura sem precedentes, capaz de provocar sérios desequilíbrios na convivência entre as pessoas e as nações”. E sentenciou enfaticamente: “O destino do mundo está nas mãos de todos os seus governantes, sem exceção. Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores ou sairemos todos derrotados”.

Com sinceridade, a presidenta pôs o dedo na ferida: “Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos e algumas vezes de clareza de ideias … ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade”. Implicitamente, a presidenta Dilma quis dizer que estamos vivendo uma era decadente, onde a grande maioria dos segmentos públicos e empresariais não consegue enxergar além dos seus interesses imediatos. Nos EEUU, por exemplo, em 2005, 21,2% da renda nacional americana concentrava-se nas mãos de 1% dos cidadãos. Poucos percebendo que as desigualdades apenas fazem emergir problemas sociais patológicos, provocando a corrosão de sentimentos morais, ampliando preconceitos entre os situados nas extremidades da pirâmide social, os do alto menosprezando os inadiáveis resgates do orgulho e da autoestima dos excluídos.

No seu discurso, um SOS sobre a situação social planetária, a presidenta Dilma Roussef parecia querer encarecer a todos os políticos e empresários do mundo, também os do Brasil, repletos de pouca humildade e gigantescas inculturas, a leitura de uma reflexão de John Maynard Keynes, talento econômico amplamente aplaudido pelos mais atentos: “Em vez de usar seus recursos técnicos e materiais ampliados para erguer uma cidade admirável, os homens do século XIX construíram cortiços … que ‘passaram’ no teste do lucro da iniciativa privada, enquanto que uma cidade admirável seria, pensavam, um ato de delirante extravagância que acabaria por ‘hipotecar nosso futuro’, no imbecil jargão econômico em voga … A mesma regra autodestrutiva de cálculo econômico governa todos os setores da vida. Destruímos a beleza do campo porque os esplendores da natureza não apropriados carecem de valor econômico. Seríamos capazes de apagar o sol e as estrelas, pois eles não pagam dividendos”.

Razão absoluta tinha Gunnar Myrdal, um sueco que sabia pensar: “O pior subdesenvolvimento é o mental”. Daí as elites financeiras pouco se lixarem para um ensino público de qualidade, favorecendo inclusive a exploração sórdida da própria educação.
(Publicada em 26/09/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves