DISCIPLINA INSTRUMENTAL


O sistema educacional brasileiro já percebeu a urgência do fortalecimento de Filosofia nos ensinos médio e universitário, evitando a formação de profissionais de pouco senso, de visão política asinina e religiosidade dinossáurica, sem solidariedade social, traduzindo tudo num individualismo boçal, o resto se danando todo.

Duas vergastadas do poeta Fernando Pessoa parecem dirigir-se ao ensino brasileiro, retrato fiel de uma sociedade civil desligada: “Por vitalidade de uma nação não se pode entender nem a sua força militar, nem a sua prosperidade comercial, coisas secundárias e por assim dizer físicas nas nações; tem de se entender a sua exuberância de alma, isto é, a sua capacidade de criar, não já simples ciência, o que é restrito e mecânico, mas novos moldes, novas idéias gerais, para o movimento civilizacional a que pertence”; “O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela, em segui-la mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz”.

Mês passado, um consultor foi chamado para uma conversa com a direção de uma empresa. Chegou desconfiado, pois tinha posto “maluquices” num relatório de três páginas. Saiu parabenizado. Suas “besteiras heréticas” sensibilizaram e a empresa resolveu adotá-las. E ele saiu da empresa agradecendo aos pais pelos anos exigidos de estudo, o embromation não fazendo parte das orientações deles. E também feliz pelo reconhecimento bem remunerado da empresa, que estava faturando o quase o dobro, após a implementação das suas “doideiras”. Que incluía uma capacitação introdutória dos funcionários em Filosofia.

O livro adotado pelo consultor foi Filosofando – Introdução à Filosofia, de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins. E a aprovação e empenho dos treinandos resultou no sucesso empresarial. O livro, já numa quarta edição, tem uma recomendação introdutória apropriada para leitores de primeira viagem: “É importante conhecer o pensamento dos filósofos não para nos guiarmos por eles, mas para entrarmos em contato com suas ideias e as controvérsias que desencadearam, ampliando desse modo nossa capacidade de compreensão”.

Constata-se, hoje, através de quantitativos idôneos, embora vexaminosos, que o Sistema Público Brasileiro menosprezou, nos últimos quarenta anos, um corpo sadio numa mente sadia, optando por pedra e cal, aparências e blá-blá-blás. Que reduziram quase todos a coisa nenhuma, impossibilitando-os de sair de uma transitividade ingênua para uma transitividade crítica, para tornar-se situado e datado, como postulava Paulo Freire, educador pernambucano consciente dos desafios de um aprender, desaprender e reaprender.

Na entrega dos certificados do curso, uma das funcionárias, mãe de quatro filhos e secundário completo, comoveu a todos, ao dramatizar convictamente uma reflexão de Bertolt Brecht: “Sob o familiar, descubram o insólito / Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável / Que tudo seja dito ser habitual cause inquietação / Na regra é preciso descobrir o abuso / E sempre que o abuso for encontrado / É preciso encontrar o remédio.” E todos sentiram-se mais profissionais e cidadãos, percebendo porque tudo deve estar voltado para o bem comum, sendo expressão de vontade majoritária.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 15.06.2011)
Fernando Antônio Gonçalves