DICIONÁRIOS INTERCOMPLEMENTARES


A editora Martins Fontes tornou público, dias atrás, um auxiliar primoroso para todos aqueles que trabalham em Ciências Humanas nas universidades, empresas públicas e particulares, nas organizações não-governamentais e nos diferenciados meios de comunicação. O Dicionário de Ciências Humanas, de Jean-François Dortier é um dicionário enciclopédico que coloca à disposição de todos palavras-chave que são utilizadas na cultura contemporânea, acompanhadas das principais obras de referência. Uma primorosa indicação para os que buscam a ampliação de uma cultural geral indispensável para uma convivialidade século 21, a favorecer análises e conclusões que propiciem compreender melhor os diversos ramos das Ciências Humanas, desde a Antropologia até a Sociologia.

Hoje, palavras como desconstrução, mediação, multiculturalismo, identidade, sagrado e inteligêcia artifcial necessitam ter bem compreendidas as suas significações, desfavorecendo armadilhas e interpretações obscuras.

O autor ressalta: “para os pesquisadores, o momento é também propício à interdisciplinaridade. O sociólogo abre-se à psicologia (e vice-versa), o linguista não pode ficar indiferente aos desenvolvimentos das ciências cognitivas. O antropólogo é confrontado com a ascensão da paleontologia, o geógrafo saiu do seu confinamento para se abrir amplamente às outras áreas humanas”. E explicita para os desatentos: “Este dicionário pretende-se ‘humano’ no sentido em que não trata simplesmente de definições mas também de seres humanos, de sua vida, seus costumes, suas crenças. … Cinza é a teoria, verde é a árvore da vida, escreveu Gothe. Permitir que a vida entre – sob a forma de exemplos, de narrativas de vida, de acontecimentos – é um dos princípios que orientaram a redação deste dicionário”.

O Dicionário de Ciências Humanas intercomplementa-se com um outro, também editado pela Martins Fontes, 2003 primeira edição, Dicionário Filosófico, do pensador francês André Comte-Sponville. Que justifica o seu trabalho: “Gosto das definições. Vejo nelas mais que um jogo ou um exercício intelectual: uma exigência do pensamento. Para não nos perdermos na floresta das palavras e das ideias. Para encontrarmos nosso caminho, sempre singular, rumo ao universal”. E questiona os que desprezam o bom pensar: “Como combater o obscurantismo com a obscuridade? O medo com o terrorismo? A tolice com o esnobismo?”.

Num mundo que está se tornando cada vez mais eletronicamente gutemberguizado, uma reflexão sobre o significado de palavras como tolerância, solidariedade, antropocentrismo, paixão, ideia e identidade, espiritualidade e esnobismo, religião e renascimento faz muito bem à saúde mental.
Uma pesquisa assinada por Edson Athayde, publicada pelo Diário de Notícias, de Lisboa, relacionou algumas pérolas produzidas por noticiaristas europeus que não possuem destreza lógica nas Ciências Humanas. Uma pequena amostra para desintoxicação figadal: “Parece que ela foi morta pelo seu assassino”; “Ferido no joelho, ele perdeu a cabeça”; “Os antigos prisioneiros terão a alegria de se reencontrar para lembrar os anos de sofrimento”; “Quatro hectares de trigo foram queimados, a princípio trata-se de um incêndio”; “O velho, antes de apertar o pescoço de sua mulher até a morte, suicidou-se”; “No corredor do hospital psiquiátrico, os doentes corriam feitos loucos”; “Ela contraiu a doença na época em que estava viva”; “O aumento do desemprego foi de 0% em novembro”; “Esta nova terapia traz esperanças a todos aqueles que morrem de câncer a cada ano”; “Apesar da meteorologia estar em greve, o tempo esfriou ontem intensamente”; “Um surdo mudo foi morto por um mal entendido”; “A vítima foi estrangulada por golpe de facão”; “Este ano, as festas de 4 de setembro coincidem exatamente com a data de 4 de setembro, que é a data exata, pois o 4 de setembro é um domingo”

Para completar a dose acima, algumas falas foram retiradas de registros oficiais de tribunais de além mar. Todo o aqui transcrito foi falado, algumas falas já integrando o Eqüiness Book. Ei-las: “Foi este o mesmo nariz que você quebrou quando criança?”; “Então, doutor, não é verdade que quando uma pessoa morre durante o sono, na maioria dos casos ela o faz de maneira calma e não se dá conta de nada até a manhã seguinte?”; “Foi você ou seu irmão que morreu na guerra?”; “O filho mais jovem, o de 20 anos, quantos anos ele tem?”; “O que significa a presença de esperma? – Significa relação consumada. – Esperma masculino? – É o único que eu conheço”; “Você tem filhos ou coisa do gênero?”; “Vou lhe mostrar a Prova 3 e peço-lhe que reconheça a foto. – Este sou eu. – Você estava presente quando esta foto foi tirada?”; “Então, Sr. Johnson, como o seu casamento acabou? – Por morte. – E ele acabou pela morte de quem?”; “Há quanto tempo você está grávida? – Vai completar 3 meses no dia 8 de novembro. – Então, aparentemente, a data da concepção foi 8 de agosto. – Sim. – E o que você estava fazendo?”; “Sra. Jones, quantas vezes a sra. cometeu suicidio?”; “Ela tinha 3 filhos, certo? – Sim. – Quantos meninos? – Nenhum. – Tinha alguma menina?”; “Você não sabe o que era, nem com o que se parecia, mas você pode descrever?”; “Você disse que a escada descia para o porão. Essa escada, ela também subia?”; “O sr. está qualificado a apresentar uma amostra de urina? – Sim, desde criancinha.”

Os dois dicionários acima ajudarão muito as mentes contaminadas pelo humus jumentalicum que “só astravanca o pogressio”, não favorecendo as emersões analíticas que buscam catapultar para o universal!

(Publicada em 13.01.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves