DICIONÁRIO-BOFETADA


No aniversário do João Silvino da Conceição, dele ganhei um livrinho chamado Teologia Portátil, editado pela sempre muito conceituada Martins Fontes em março próximo passado. E iguais exemplares, uns quase quinze, foram distribuídos com outros amigos presentes, sob uma condição única: a de fazer parte, no sábado seguinte, de um encontro dos agraciados para discussão e análise da citada publicação, de autoria de Paul Henri Thiry (1723-1789), mais conhecido por Barão de Holbach. Um herdeiro de grande fortuna que tinha instituído reuniões permanentes para combate sistemático aos privilégios feudais, à monarquia absoluta e às religiões que tinham se transformado em instituições de Estado, cujas intolerâncias continuavam a ser ferozmente praticadas ainda plena época das Luzes.

Na data estabelecida, apenas sendo notada a ausência de um por motivos hipertensivos, o livro foi motivos de comes, bebes, risadagens várias e identificações múltiplas dos que, em pleno século XXI, ainda se postam (creio que se bostam) com ares de sabidos, quando não passando de salafrários rapineiros de nulos caracteres.

O livro escrito pelo Barão de Holbach é um manancial de desnudamentos de cínicos fingidos, nepotistas, embromadores e falsos cortesãos, sem qualquer comprometimento social, ansiosos pelas doações e dízimos dos acordeirados de sempre, ávidos por enganações falaciosas e promesseiras. Os principais verbetes debatidos:

Autoridade eclesiástica – É a faculdade da qual tentam desfrutar os ministros do Senhor de convencer os mais débeis da validade das suas decisões, da autenticidade dos seus direitos e da sabedoria das suas opiniões, com a ajuda dos soldados (hoje capachos), dos feixes de lenha e das cartas seladas (atualmente correspondências AR).

Cadeira estercorária- Cadeira furada sobre a qual o papa eleito colocava seu traseiro sagrado, a fim de que se tenha condições de verificar o seu sexo, para não se incorrer na inconveniência de se ter uma papisa.

Hipocrisia – Meio fácil de subir na vida, ligando-se aos interesses do clero. Os hipócritas são de grande auxílio para a causa de Deus. Eles a defendem comumente com muito mais zelo do que os devotos sinceros, que são quase sempre simplórios.

Humanidade – Virtude da moral profana que é necessário sufocar quando se quer ser um bom cristão.

Infância – Estado de fraqueza, de ignorância e de imbecilidade, no qual é necessário conservar e mergulhar os cristãos, a fim de que os padres (e pastores) possam conduzi-los mais facilmente ao paraíso, do qual eles estariam excluídos caso se tornassem bastante despertos para se conduzirem por si mesmos ou para caminharem sem andadeiras.

Pastores – São aqueles que estão encarregados do cuidado de levar para pastar os acarneirados do bom Deus; eles encarregam-se disso por pura caridade, não se reservando senão o direito de tosquiar suas ovelhas e de enviá-las para o matadouro quando não estão bastante satisfeitos com a sua lã.

Riso – Um cristão bem devoto deve ser sério como um asno que está sendo escovado. Não é permitido senão aos padres rir nas barbas daqueles dos quais tomam o dinheiro.

Quando o homem do cuscuz apitou nas redondezas, descobriu-se que mais de quatro horas da madrugada já eram. E que o tempo tinha se passado com a velocidade de sempre, apenas tornado desapercebido diante das múltiplas identificações que se faziam a cada verbete anunciado.

Conclusão geral: a Teologia Portátil, do Barão de Holbach, é um excelente dicionário-bofetada, um excepcional despertador para aqueles ainda não possuidores de uma criticidade paulofreireana, aquela que nos torna capaz de bem diferenciar oprimidos de opressores e salvação de igreja.
PS. O papa pode ser até bento, mas o seu assessor ….

(Publicada em 28.05.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco.
Fernando Antônio Gonçalves