DIÁRIO DE SOBREVIVENTE


Para ampliar a cidadania de jovens e adultos ainda desligados de uma solidariedade social efetivamente libertadora, onde inúmeros alienados ainda se imaginam inseridos em futuros ilusoriamente assegurados, recomendaria a leitura do diário de uma adolescente tcheca que sobreviveu ao Holocausto, após ter inicialmente sobrevivido no campo de concentração de Terezín, sendo enviada posteriormente, juntamente com sua mãe, para Auschwitz.

Nascida em 1929, Helga Weiss hoje mora no mesmo apartamento onde viveu com seus pais até a deportação para Terezín. Tem dois filhos e três netos, sendo atualmente considerada renomada artista plástica. Para se ter uma ideia, “das 15.000 crianças que foram para o campo de concentração de Terezín, calcula-se que apenas 100 estavam vivas no final da guerra”.

Filha de um bancário e de uma costureira, ela começou a escrever seu diário quando tinha 8 anos, quando a Tchecoslováquia era invadida pelas tropas nazistas alemãs. Nele registrou momentos de infância sofridos: quando seu pai ficou desempregado, passando a ser obrigado a andar com infame estrela amarela colada à roupa, quando foi impedida de frequentar a escola e quando, em 1941, foi enviada, com seus pais, para o campo de concentração de Terezín, passando também a desenhar tudo que via ao seu derredor, seguindo uma recomendação do próprio pai.

Em 1944, pouco antes dela e sua mãe serem enviadas para Auschwitz, seu diário e seus desenhos foram escondidos em um muro por um tio que trabalhava num departamento de registro de Terezín, razão da sobrevivência de tão precioso material.

No livro O Diário de Helga, editora Intrínseca, 2013, se encontra um profundo testemunho de uma conjuntura histórica cruel, que não deve ser esquecida por hipótese alguma. Relata como uma menina via a vida num campo de concentração entre 1938 e 1945.

Dotada de uma estupenda memória, Helga Weiss escreveu em seu diário linhas muito além das precárias condições de moradia e fome. Ela também descreveu momentos de alegria, de esperança e de muito amor. Num primeiro caderno, as reminiscências da infância, com relatos de cenas e fatos da guerra; o segundo termina com a chegada da família a Terezín, em 1941, onde aconteceu a separação. E nas folhas soltas se encontram seus últimos momentos no cativeiro e instantes relembrados de um pós-guerra, onde suas memórias são explicitadas através de temas.

Terminada a guerra, Helga editou uma versão datilografada do que tinha escrito nos cadernos e folhas, eliminando alguns comentários e episódios discursivos e repetitivos que talvez fossem julgados exageradamente pessoais ou de pouco interesse. Segundo o organizador da edição, cerca de um quarto dos originais foi retirado, todo o resto mantido por vontade expressa da autora.

O livro ainda contém uma entrevista concedida por Helga Weiss, realizada em seu apartamento de Praga, em 2011, ao jornalista Neil Bermel, onde ela revela o até hoje desconhecido destino do seu pai, desaparecido quando tinha 46 anos, provavelmente tendo sido vítima de uma câmara de gás. Quando perguntada por que tinha escrito o livro respondeu com toda sinceridade: “coloquei nele meus sentimentos; esses sentimentos são intensos, comoventes e principalmente verdadeiros. E, talvez, por ser narrado naquela forma um pouco infantil, é acessível, expressivo, e creio que ajudará as pessoas a entender aqueles tempos”. Segundo Helga, a última visão sobre o pai ocorreu no dia em que ele deixou Terezín.

Aos 16 anos, em 21 de maio de 1945, na estação Wilson, o relógio mostra quinze para as duas. Helga está parada na plataforma, lágrimas grandes e quentes, rolando pela sua face. Mistura de alegria e felicidade. Finalmente em Praga, em casa, com roupas limpas e bem alimentada. Em liberdade!!

(Publicada em 30.09.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves