DESVENDANDO O LIVRO MAIOR


No trimestre do ano passado, numa palestra para secundaristas de entidade religiosa, um fato pitoresco aconteceu. Sob tema Quem é Jesus?, discorria sobre o Homão da Galileia, por quem sou apaixonado de carterinha, para um auditório de, aproxidamente, 180 jovens, professores e umas poucas freiras.

Concluídos fala e esclarecimentos, quando me preparava para sair, uma freirinha simpática, mais que septuagenária, me aborda: – Sabe, professor, eu já li o Novo Testamento inteirinho e lá em momento algum está dito que Jesus sorriu…

Tomando ternamente suas mãos, respondi-lhe com toda sinceridade: – Também já li, irmãzinha, o Novo Testemanto de fio a pavio. E também lá, em momento algum, se encontra declarado que o Nazareno urinava e obrava como todos os demais seres humanos.

Olhando-me com olhar braboso, a freirinha retrucou asperamente: – Nunca ele fez isso!!! Persignando-se, saiu celeremente da minha presença, imaginando que eu teria dito uma blasfêmia daquelas, própria dos inimigos mais cruéis do Nazareno.

Fiquei a imaginar o nível do atual analfabetismo bíblico mundial, originário por vezes de uma crença irracionalmente cega ou por um ateísmo irritante e vilipendioso, as duas bandas se tornando o principal fator da emersão de agnosticismos que afastam e tornam de pequena monta as fecundantes reflexões religiosas, aquelas que sedimentam uma espiritualidade sadia, ainda que distanciada dos dogmas e das imposições emanadas dos centros de poder das igrejas cristãs, muitos vezes conquistados por indivíduos inescrupulosos, dispostos a obterem riquezas a qualquer preço. Para não falar, aqui, dos “cultos de Estado”, onde “as mulheres eram consideradas animais de propriedade dos pais e maridos, que tinham o direito de bater nelas e até matá-las”. Não esquecendo, como ainda hoje ocorre em regiões do planeta, que “os bebês recém-nascidos do sexo feminino, muitas vezes eram sufocados ou abandonados”.

Como compreender o livro mais importante e falado de todos os tempos?, eis uma questão que já não se torna mais enfadonha. A editora Urbana acaba de oferecer ao público brasileiro o texto Desvendando a Bíblia, de Kristin Swenson, professora de estudos religiosos da Virginia Commonwealth University’s School os World Studies. Que proporciona uma lufada de ar renovado nas bolorentas introduções à Bíblia, que anestesiam, asfixiam, desorientam e atordoam os ingênuos, bem dotados de acachapante acriticidade.

No seu trabalho, Swenson utiliza um estilo sedutor, bem consciente, mostrando como a Bíblia penetra na cultura popular. E corrige equívocos, tornando a interpretação do texto sagrado mais corajosa, inteligente e atual. Eliminando algumas citações hilariantes: “Moisés morreu antes de chegar ao Canadá. Então, Josué conduziu os hebreus na Batalha de Geritol”; “Quando Maria soube que ela era a mãe de Jesus, ela cantou a Magna Carta”; “Paulo pulou para o cristianismo e pregou a santa acrimônia, que é outro nome para casamento”. Uma amostra de besteiradas que complicam e afastam os mais jovens e mais lúcidos, enrijecendo a cuca dos abiscoitados, tornando-os “fundamentalistas de zoínhos revirados e bracinhos para o alto”, na observação de um padre irmão meu, holandês abrasileiradíssimo.

No livro da Sweonson, que deveria tornar-se indispensável nos grupos cristãos de estudo e nas preparações de homilías, ela explica qual a tradução bíblica que se deve escolher, quais as citações que não merecem confiança, quais os famosos e os infames, as mulheres adoráveis e as não tanto amadas. E o que há de “estória” por trás dos textos escritos.

Vale a pena conferir o texto de Kristin Swenson. Para acreditar mais no Homão da Galileia, um homem infinitamente abençoado pela Criação. Que relembrava vez em quando, através de parábolas, que é a mente que enriquece o corpo.
PS. Para Rosanna e Saulo Gorenstein, queridos irmãos em Abraão, Isaac e Jacó.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 16.03.2011)
Fernando Antônio Gonçalves