DESNOVELANDO FATOS E FEITOS


Um célebre economista sueco, Gunnar Myrdal, já eternizado, autor do conceituado livro Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas, costumava dizer que “o pior dos subdesenvolvimento é o mental”, aquele que nada cria e tudo muito tronchamente copia, imaginando ser suficiente apenas implementar o que foi bem sucedido em outras eras e áreas. Nunca percebendo que “há grandes obras que constroem verdades, e há outras, igualmente importantes, que servem para destruí-las”.

Nos últimos tempos, fatos estão sendo revelados com menos enviesamentos por pesquisadores sem os maneirismos academicistas ou ideologizantes dos esquerdeiros, aqueles nunca dialéticos, jamais libertadores.

Semana passada, quando aguardava, num quarto de hospital, a chegada da minha mulher de mais uma cirurgia, a trigésima em oito anos de bravíssima caminhada, principiei a leitura de um livro que apontava as “causações” que deram origem à Segunda Guerra Mundial, acontecidas entre o término do primeiro conflito mundial e o 31 de dezembro de 1941. Desconstruções que fatos, sem relativizar a barbárie nazista, que denunciavam virótico antissemitismo que contaminava Europa e Estados Unidos no período de entreguerra, possibilitando o agigantamento dos delírios dominadores de Adolf Hitler.

De título Fumaça Humana, editado pela Companhia das Letras, seu autor, Nicholson Baker, romancista e ensaísta cotemplado com o Nacional Book Critics Circle, em 2001, fornece consistentes luzes sobre as raízes da Segunda Guerra Mundial, através de pesquisa vastíssima. Composta de declarações publicadas na imprensa, onde mitos são reclassificados e verdades desconstruídas, formatando um imenso painel, onde o leitor tem a oportundade de efetivar conclusões, incômodas umas, pertirbadoras outras tantas, que se distanciam das versões oficiais contadas, muitas delas revestidas de triunfalismos engambeladores, anestésicos por derradeiro.

O livro do Baker, por exemplo, revela o antissemitismo de Eleanor Roosevelt quando jovem. E a não autorização de Churchill de permitir o fornecimento de alimentos aos guetos esfomeados da Europa por entidades benemerentes norte-americanas. E mais: o futuro herói da Segunda Guerra Mundial também permitiu o uso do gás mostarda no Iraque, em carta dirigida, em 26 de agosto de 1920, ao comandante das forças britânicas que lá atuavam: “”Acho que o senhor certamente deve proceder ao trabalho experimental com as bombas de gás, especialmente gás mostarda, que infligirá castigo aos nativos recalcitrantes sem lhes causar ferimentos graves”. E ainda escreveu: “Sou decididamente favorável ao uso do gás venenoso contra tribos incivilizadas”. E foi também esse homem viciado em charutos que, em artigo publicado em feveriro de 1920, denuncuava um “sinistro concluio” da judiaria internacional, posto que se tratava de “uma conspiração mundial para derrocar a civilização e reconstituir a sociedade na base do desenvolvimento contido, da malevolência invejosa e do igualitarismo impossível”, citando Marx, Trótski, Bela Kun, Rosa Luxemburgo e Emma Goldman entre os por ele ditos como malfeitores.

Em relação ao Mahatma Gandhi, por exemplo, Winston Churchill declarou em dezembro de 1930: “A verdade é que, cedo ou tarde, o gandhismo e tudo quanto ele representa terá de ser combatido e enfim esmagado”. Um Churchil que fumou seu último charuto na noite de 9 de janeiro de 1965, poucos instantes antes de sofrer um forte colapso, vindo a eternizar-se quinze dias depois, “exatamente setenta anos após a morte do pai para quem ele jurara que nunca fumaria”.

Quando o Mahatma visitou a Inglaterra em setembro de 1931, conversou com o rei e a rainha, com a arcebispo de Canterbury e ainda com George Bernard Shaw, entre outros. Somente Winston Chuchill recusou-se recebê-lo.

Ler o que escreveu Stefan Zweig, em carta datada de junho de 1922, dá uma ideia nítida do caldo cultural que favoreceu a ascensão do nazismo alemão. Diz ele: “Os desempregados andavam por aí, sacudindo os punhos para os especuladores e estrangeiros em seus carros de luxo, que compravam fileiras de ruas como se fossem uma caixa de fósforo” … “Qualquer colegial queria ganhar uns trocados e, nos bares mal iluminados, viam-se altos funcionários e homens do mundo financeiro cortejarem docemente marinheiros bêbados, sem o menor pudor”.

Para se aquilitar um típico NI (Nível de Insensatez), Baker relata um convite para jantar feito ao casal Edgard e Lilian Mowrer, em 1932, na Alemanha, onde todos os judeus presentes se gabavam de ter emprestado dinheiro ao Partido Nazista. O mesmo Edgard, ele não judeu, tinha tomado conhecimento de uma carta do então cardeal Pacelli, de Roma, que recomendava ao Partido Centrista Alemão, o Zentrum, contribuir para que Hitler chegasse a ser Chanceler.

Quando o sempre arguto jornalista Paulo Sérgio Scarpa, querido irmão caminheiro, relembrou, outro dia na sua coluna do Jornal do Commercio, o filme O Ovo da Serpente, sinalizando para algumas posturas discriminatórias de candidatos presidenciais ensandecidos, certamente ele balizava para urgências analíticas sobre sementes não-democráticas que ainda sobrevivem no cenário brasileiro. Daí, ler Fumaça Humama, do Nicholson Baker, desconstruindo versões oficiais e fatos proclamados como verdadeiros, é agigantar uma cidadania sem hipocrisias nem pelegagens, como aconteceu na campanha eleitoral última, a partir de alguns pronunciamentos de hipócritas travestidos de vestes episcopais. Sepulcros caiados já definitivamente denunciados pelo Homão da Galileia, que detestava paparicagens dos metidos a santarrões.

PS. Bravíssima a lição que nos é dada pela Argentina, ao condenar à prisão perpétua o general Videla, um facínora da pior espécie. Que seja posto em funcionamento, no Brasil, a Comissão de Verdade!

(Publicada em 30.12.2010, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves