DESCARRILAMENTO DO ENSINO SUPERIOR


Confesso um desconfortável “incremento preocupacional” com o andar da carruagem do ensino superior brasileiro nos últimos anos. Neste mês, ele se tornou ainda mais ampliado com uma declaração da escritora Lya Luft, talento brasileiro: “temos gente saindo das universidades quase sem saber coordenar pensamentos e expressá-los por escrito, ou melhor: sem saber o que pensar das coisas, desinformados e desinteressados de quase tudo”. Ela deplora os jovens universitários de hoje, com as exceções notáveis cada vez mais diminutas, que se aproveitam de professores que fingem que ensinam para fingirem que aprendem, desfavorecendo uma profissionalidade cidadã de nivel superior que se torna cada vez mais necessária num país que já se encontra estratégicamente posicionado num caminhar desenvolvimentista.

Caminheiro no ensino superior há longo tempo – tenho um orgulho danado de ser professor universitário – acanho-me diante de discentes, de todas as sexualidades, que não deveriam ainda ter concluído o segundo grau de ensino, frente às suas incapacidades de pensar com objetividade e clareza. E que ainda imaginam ser os seus sobrenomes e status familiares fatores positivos de uma trabalhabilidade merecedora de elogios.

Certa feita, um aluno universitário me perguntou o que era hidrografia, sem qualquer característica zombeteira, apenas refletindo um ar de gritante ignorância vocabular. Fruto de ensinamentos proporcionados pelos que, docentes e pais, de educação básica nada entendiam.

O Brasil necessita de um maior aprimoramento do seu ensino superior, tanto nas suas universidades como nas instituições públicas e particulares, capital e interior. Há cursos superiores de instituições públicas com elevados percentuais (mais de 50%) de docentes temporários. E que possuem, quando possuem, bibliotecas obsoletas, onde os livros, pouquíssimos e datados do arco-da-velha, já pedem recolhimento para não causarem vexames mentais em seus possíveis leitores.

Percebe-se, sem qualquer esforço, que a nossa sociedade civil, hoje cambaleante entre uma expressividade comodista e uma politização ainda impotente, necessita revigorar-se. A cutucada do australiano Robert Hughes, consagrado crítico de artes da revista Time, sendo mais que conveniente: ” A velha divisão de direita e esquerda acabou se assemelhando mais a duas seitas puritanas, uma lamentosamente conservadora, a outra posando de revolucionária mas usando a lamentação acadêmica como maneira de fugir ao comprometimento no mundo real “.

Recordo-me de um escrito de 1978, um discurso de paraninfo: “Hoje, todo dirigente universitário de bom tirocínio, não pode deixar de dizer presente diante das rápidas mutações que ocorrem nos contextos nacional e mundial. Isto significa um questionamento sereno na Universidade, sobre o seu próprio diagnóstico e prognóstico, suas próprias realizações, seu ritmo de desenvolvimento, seu nível de competição com as demais instituições formadora de mão-de-obra especializada”.

Tenho uma imensa compaixão dos que continuam possuidores de almas pequenas depois das graduações universitárias. Como também dos complexados por esse ou aquele motivo, dos que se imaginam corporalmente belos e se desestruturam com as primeiras rugas. Dos que não entendem a concepção moderna de família, refugiando-se num tribalismo hermético. Dos que não sabem rir, sentindo-se sempre coitadinhos. Dos que se imaginam libertos, somente porque não prestam mais contas dos seus atos e andanças a superiores e subordinados. E dos que se arvoram de poderosos quando espezinham humildes e desassistidos, de quatro de postando, rabinho entre as pernas, diante de autoridades de fato.

Aflige-me a incapacidade daqueles que, após diplomados, não sabem transformar “coisas invisíveis” em paz e felicidade, nunca assimilando, porque sempre dependentes, que “o inferno é a incapacidade de amar” (Dostoievski), ignorando também, porque ficou na superficialidade, que foi o próprio Dostoievski quem disse que o único meio de evitar os erros é adquirir experiência, esta somente emergida através dos erros cometidos. E percebo quão infelizes se estão tornando aqueles que não se reconhecem, após diplomação, como ainda portadores de uma transitividade ingênua, ignorando salutar balizamento: livrar-se do que não se quer não é equivalente a obter o que se deseja.

Admiro profundamente aquelas pessoas que fecham os olhos para, reflexionando, ver melhor, sem afobamentos nem cavilações ideológicas. Que até sofrem constrangimentos afetivos por ampliarem suas capacidades de integrarem-se no Cosmo. Que não menosprezam tropeços, pois eles só favorecem as mentes preparadas. E também muito admiro os que se apaixonaram, que nem eu, pelo paradoxo da Existência, aceitando a limitação de, não sendo Deus, confiar plenamente na Criação e agir como se tudo dependesse de nós.

E a conclusão que se tem é a que afirma que “o aparentemente impossível de agora é a única possibilidade que sobra”. E foi um talento que conhecia de reestruturações, Professor Deming, que apontou a estratégia correta: “Muitos esforços e muito trabalho apenas não são suficientes, como tampouco o são novas máquinas, computadores e automação. Poderíamos também acrescentar que estamos sendo arruinados pelos melhores esforços feitos com as melhores intenções, porém sem a orientação de uma teoria administrativa para a otimização do sistema. Não existe substituto para o conhecimento”. E foi com o dedo na ferida: “A transformação não significa apagar incêndios, resolver problemas ou criar melhorias simplesmente cosméticas. A transformação deve ser feita por pessoas que detenham um profundo conhecimento”.

Quem sabe faz a hora … Ou ficará para sempre acocorado…
PS. Grande é a expectativa depositada na gestão do Secretário Anderson Gomes, da Educação. Percebe-se nele sinais positivos da mesma tesão educacional do governador Eduardo Campos, sem qualquer dúvida uma liderança nacional inconteste.

(Publicada em 28/02/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves