DESBUNDES E IDIOTICES


Nos últimos tempos, observo alguns profissionais lamentarem não saber analisar com mais acuidade alguns dos atuais problemas contemporâneos brasileiros, por não possuírem um conhecimento mais apropriado de História, quer mundial, quer nacional, quer das suas próprias regiões.

Na área da graduação universitária, então, a ausência de conteúdo de História é dose pra elefante. Outro dia, num bate papo descontraído, afirmei que na Grécia antiga, pai da Democracia, existiam os idiotas e os demagogos. Idiotas eram todos aqueles que não se interessavam pelo debate dos assuntos públicos, enquanto por demagogos eram classificados aqueles que se destacavam na área pública, habilidosos na conquista do apoio da maioria para suas iniciativas e projetos.

Demagogos, na Grécia antiga, eram os condutores do povo, que lideravam as assembleias, acelerando as decisões, seja por consenso, seja pela maioria dos presentes com direito a voto, posto que excluíam as mulheres, os jovens, os escravos, os idosos e os estrangeiros. O significado do termo demagogo modificou-se com o tempo, hoje adquirindo um outro sentido. Principalmente no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores.

Entretanto, os idiotas de ontem estão se multiplicando nos tempos de agora. Em nome de interesses particulares, alguns estão menosprezando atos e fatos políticos que influenciarão as suas existências. Outros, mais voltados para um ganhar dinheiro de qualquer maneira, se auto-proclamam “apolíticos”, como se todos nós não fôssemos políticos, embora não partidários, o que é outra coisa completamente diferente.

Convencido estou que a barbárie se amplia consideravelmente quando os idiotas (no sentido grego e também contemporâneo) se multiplicam, sob o lema do “ter que levar vantagem em tudo”, adeptos que são do “depois do meu, o resto que se dane”.

Recordo-me de alguns idiotas encontrados nas minhas vidas pessoal e universitária. Um deles, adepto fervoroso dos tempos ditatoriais, um dia me perguntou por que eu desejava ter cada vez mais senso crítico, quando deveria estar remando a favor da maré que acoitava os privilegiados, utilizando meus poucos neurônios para ganhar dinheiro e sustentar melhor a família e ainda ter umas “minas” de acréscimo, pois o que valia mesmo “era ter dinheiro no pé do cipa”.

Fico a imaginar a qualidade de vida do derredor de um idiota desses. Talão (de cheque) em vez de talento. Arroto substituindo o pensar. O passado nunca existindo, a História às vezes apresentada zombeteiramente através das conversas imbecis de se jogar fora, na latrina. Além dos celulares, iPhones, iPads, WhatsApps e outras estrovengas de alto calibre tecnológico.

Para os filhos dos idiotas que pressentem que devem ser diferentes, indo muito mais além da pasmaceira cotidiana dos seus tempos familiares de agora, também distanciando-se quilômetros das drogas, três iniciativas são salutares por excelência: afastar-se da rotina, enfrentar o desconhecido e motivar-se para adquirir novos saberes fora do seu campo profissional. Sempre percebendo que nenhuma instituição ensina sucesso, conforme a lição imorredoura de Galileu Galilei: “Não se pode ensinar nada a um homem: só é possível ajudá-lo a encontrar a coisa dentro de si”.

Para os idiotas de todas as idades e contas correntes, religiões fundamentalistas e credos hedonistas, o Domenico de Mais, em seu livro A Emoção e a Regra, nos convida para uma nova maneira de enxergar o macro-derredor: “Nessa nova sociedade, que privilegia a produção imaterial, as necessidades do indivíduo são outras: tempo e privacidade, amizade, amor, ócio inteligente e enriquecedor, e a convivialidade. A última coisa que interessa é a ostentação”.

Se eu pudesse, gostaria de enviar a todos os idiotas do planeta uma conclamação, parodiando a feita pelo Karl Marx, nos meados do século XIX. Um alerta que muito beneficiaria uma nova humanidade: “Idiotas de todo mundo, percebei-vos quão tolos estais sendo, para deleite dos que os querem escravos de amanhãs sem democracia !!”.

Toda misericórdia para os que, arvorando-se de argutos, imaginam estar escanteando os inteligentes que estão de há muito percebendo eles, gozando-os sem dó nem piedade.

PS. Um livro recém editado merece leituras redobradas e reflexões individuais e em grupo dos mais cidadanizados. Trata-se de 50 Anos Construindo a Democracia – Do Golpe de 64 à Comissão Nacional da Verdade, de Mário Sérgio de Moraes, Instituto Vladimir Herzog. O autor é PhD pela USP, especialista no campo dos Direitos Humanos, pesquisador no Instituto Diversitas da USP e também conselheiro do Instituto Vladimir Herzog. Aguardem uma resenha caprichada sobre o livro, de leitura agora iniciada com toda tesão cidadã.

(Publicada em 30.06.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)

Fernando Antônio Gonçalves