DESAFIOS DA EDUCAÇÃO CIDADÃ


É chegada a hora de ampliar, na área educacional brasileira, iniciativas e projetos de bom calibre futurolófico, fortalecendo o caminhar do país na direção das nações detentoras de consistente coeficientes técnico-científicos. Uma aspiração acalentada nas últimas décadas por lideranças de todos os matizes, com andanças e retardanças, com férrea disposição dos progressistas e cavilosas manobras dos que nada desejam alterar, para favorecer um crescente alheamento populacional, principalmente dos segmentos mais sacrificados.

A estruturação da Cidadania Brasileira requer uma sistemática ampliação da “enxergância” de todos os seus segmentos sociais, desabestalhando cada vez mais os alienados e os sem plugues. Para tanto, devem ser estimulados os debates amplamente desbravadores e não-dogmáticos, favorecendo o acabrunhamento de todos os “ismos”, animando novos modos de pensar, agir e criar, abjuradas as torres de marfim dos que se postam como incontestáveis luminares eternos. Tudo se inserindo nas circunstâncias de uma realidade social século 21 ainda muito pouco luzente para todos, inclusive os que rejeitam o velho apenas por ser velho, ingenuamente assimilando as novidades merdívoras apenas porque são novas, sem perceberem o questionamento de Ortega y Gasset, notável pensador espanhol: “Como podem as rãs falarem de charco, quando nunca saíram do charco?”

Para os universitário dos mais diferenciados quilates, e os que latem tão somente, recomendaria a leitura sem demora de uma coleção de pensamentos de um genial intelectual português, também Prêmio Nobel de Literatura 1998, recentemente tornado eternidade. José de Sousa Saramago, José Saramago, autor dedicado exclusivamente à literatura, ateu e comunista, em tempo algum mero bode embarcado, que nunca escondeu seu pensar, posto que “as pessoas têm a necessidade de que se fale com elas com honestidade”. E que receberia, em 2001, o reconhecimento mundial do escritor Harold Bloom: “Saramago é extraordinário, quase um Shakespeare entre os romancistas. Não há nenhum ficcionista vivo nos Estados Unidos, na América do Sul ou na Europa que tenha a sua versatilidade. Dir-se-ia tão divertido quanto pungente. Sei que é um marxista, mas não escreve como um comissário e opõe-se aos impostores da Igreja católica. O seu trabalho ultrapassa tudo isso.”

Para se ter uma ideia abrangente do pensar saramaguiano, não se faz mister ler seus extraordinários textos, que agradam sobremaneira àqueles que sabem ler sentindo-se engajado nas lutas por um mundo mais digno e humano, a denunciar “o esvaziamento cerimonial da democracia”. A editora Companhia das Letras lançou, há alguns dias, As Palavras de Saramago, uma primorosa coletânea organizada pelo ensaísta e também escritor Fernando Gomez Aguilera, que publicou em 2007, em Lisboa, a biografia José Saramago: a consistência dos sonhos, posteriormente lançada na Espanha em 2010, em versão ampliada. Através de uma seleção de pensamentos do escritor luso, assimila-se didaticamente o modo como ele “afiou seu bisturi, iluminado por uma pertinaz consciência insatisfeira instalada na interrogação permanente, numa confessada desconfiança e num pessimismo voltaireano que lançam um olhar desgostoso, irônico e melancólico sobre o real”.

Atendendo solicitação da Moniquinha Vieira Lopez, gigantesca amizade de algumas décadas, nunca deslustrada embora de endereço não mais conhecido, transcrevo abaixo uma pequena amostra do pesquisado pelo Gomes Aguilera, para favorecer o ampliar da curiosidade daqueles que, já cidadanizados, desejam consolidar sua planetariedade, conscientes de que nem o Homão da Galileia conseguiu convencer todos do seu derredor. Ei-la, para aguçar nos leitores um quero-mais cada vez mais libertador:

– “Os pessimistas são pessoas insatisfeitas com o mundo. Em princípio, seriam as únicas interessadas em alterar a rotina, uma vez que, para os otimistas, é razoável como está. Mas, ultimamente, gosto de dizer outra coisa: eu não sou pessimista, o mundo é que é péssimo. Com isto transfiro a culpa para a realidade“.

– “Tenho umas contas a acertar com Deus, porque há coisas que não lhe perdôo, se supostamente ele existir. Não suporto a maldade e a hipocrisia que cresceram à sombra não só do cristianismo, mas das religiões em geral, que nunca serviram para unir os homens”.

– “Não faço força nenhuma para ser cristão, mas, ao contrário de outras pessoas, não digo que a marca do cristianismo desapareceu do meu cérebro. Não omito minha formação, como prova O Evangelho segundo Jesus Cristo. Nele está presente o cristianismo na sua expressão católica. Posso estar fora da Igreja, mas não do mundo que a Igreja criou”.

– “Auschwitz não está fechado, está aberto, e suas chaminés continuam soltando a fumaça do crime que se comete a cada dia contra os mais frágeis. E eu não quero ser cúmplice, com a comodidade do meu silêncio, de nenhuma fogueira”.

– “Nas sociedades modernas, que chamam a si mesma de democráticas, o grau de manipulação das consciências atingiu um patamar intolerável. Isso gera um sistema que só é democrático na forma”.

– “O sindicalismo está domesticado, e essa foi a grande operação do sistema capitalista: a domesticação. E ao mesmo tempo nos dizem que somos livres – isso é o mais cruel”.

– “Provavelmente não sou um romancista: provavelmente eu sou um ensaísta que precisa escrever romances porque não sabe escrever ensaios”.

– “O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é a única coisa que conta”.

José Saramago foi, no meu modo nordestino de ver as coisas do mundo, um excepcional cutucador, “que fala da sua família e do seu laicismo, da sua concepção da felicidade como harmonia, da importância que concede à bondade, do seu materialismo, da doença ou da sua inclinação a se interrogar sobre tudo que o rodeia”. E que se utilizou da escrita para, sem messianismos nem dogmatismos cavilosos, proclamar a necessidade de se ampliar a convivialidade fraterna deste mundinho de Deus.

(Publicada em 07.04.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves