DADOS DEGRADANTES
As festividades natalinas, bem mais hipocrisia mercadológica que compromisso solidário, não possibilitam sossego de consciência para os que manejam comparativamente terrificantes dados quantitativos sócio-econômicos. Se uma criança nascida na Noruega chegará quase certamente até uma idade avançada, uma vinda ao mundo em Serra Leoa terá 25% de chance de eternizar-se antes de completar seu quinto aniversário. Naquele país da África Ocidental, apenas uma em quatro mulheres sabe ler e escrever.
No mundo contemporâneo, a desigualdade de ganho é gritante. A renda dos 500 bilionários mais taludos do planeta supera a dos 416 mlhões de pessoas mais agredidas pela pobreza. E na área da saúde, a cada minuto uma mulher morre de parto e 20 crianças falecem por doenças já erradicadas em países desenvolvidos,como diarreia ou malária. Enquanto isso, numa cidade tida e havida como maravilhosa, um governador imbecilmente faz gracinha com aborto, quando deveria parar atrás das grades por desrespeito à infelicidade de milhões.
Segundo a Oxfam International, uma instituição que congrega associações que trabalham pelo fim da pobreza e da desigualdade em todo mundo, se a má distribuição de renda planetária pudesse ser reduzida aos níveis registrados pelo Haiti, um dos países mais desiguais do mundo, o número de pessoas que sobreviveriam com menos de um dólar por dia cairia pela metade, para cerca de 490 milhões. E mais: se a distribuição de renda do mundo seguisse a da Costa Rica, o número de pessoas em situação de extrema pobreza cairia para 190 milhões, um quinto do montante atualmente contabilizado.
No Brasil, os brasileiros negros têm uma probabilidade duas vezes maior de sofrer uma morte violenta do que os brancos, sendo de apenas um terço a probabilidade deles de cursar uma universidade. A renda média no Brasil é três vezes mais alta que a do Vietnã. Mas os 10 por cento de brasileiros mais vitimados pela pobreza ganham menos que os 10 por cento em igual situação no Vietnã. Segundo a Oxfam, a América Latina é conhecida por apresentar uma desigualdade “ampla, difundida e resistente”, com um nível desconcertante de concentração de renda.
E mais: na África, pesquisas ressaltam que, em termos de desigualdades, as taxas naquele continente são tão expressivas quanto na América Latina. Para não se falar, aqui, da discriminação cometida contra a população feminina, relegada em sua nutrição e cuidados de saúde em relação aos demais. Discriminação que deixa desaparecidas, segundo as estatísticas mais recentes, além de cem milhões, mais que o total de mortes em todas as guerras violentas acontecidas no século XX. Do total, oitenta milhões são indianas ou chinesas, na inacreditável proporção de 6,7 por cento da população feminina esperada na China e de 7,9 por cento da população feminina esperada na Índia.
Há uma repugnância que se generaliza mundo afora: enquanto 800 milhões de pessoas passam fome no planeta, uma epidemia de obesidade se alastra nas regiões desenvolvidas e em desenvolvimento. E a indignação é maior quanto se constata a ineficácia dos mandamentos sociais, principalmente o que determina que todas as pessoas devem possuir direitos básicos, onde elas estiverem. Infelizmente, a desigualdade e a distribuição de renda se encontram fora de moda entre os dirigentes dos países ricos, a grande maioria cegamente fiel ao Consenso de Washington que proclamava insensatamente, até poucos anos, que “uma maré alta levanta todos os barcos”, o crescimento econômico sendo suficiente para eliminar a pobreza. Quando tamanha insensatez de Washington fracassou, em 2005, o Banco Mundial e a ONU passaram a assinalar que a eliminação das desigualdades tornou-se uma das tarefas inadiáveis da nossa era. Antes que aconteçam novos 11 de setembro ou agressões outras…
As Ciências Econômicas necessitam ampliar sua criticidade analítica, atentando para alguns balizamentos hoje tornados conhecidos universalmente: a desigualdade desperdiça talentos, mina a sociedade e suas instituições, mina a coesão social, limita o impacto do crescimento econômico sobre a pobreza e transmite a pobreza de uma geração à outra. E o mais gritante: a economia globalizada tem recursos suficientes para alcançar as metas mais urgentes. Atualmente, a economia planetária produz US$ 9.543 em bens e serviços por ser humano. E que a ONU estima que US$ 300 bilhões seriam suficientes para que a população mundial saísse da extrema pobreza. Uma soma que representa apenas um terço dos gastos militares mundiais a cada ano.
Cidadãos ativos poderão minimizar as estatísticas escabrosas que rondam o planeta. E também as denominações religiosas poderiam se tornar bem mais ativas, na luta por um mundo menos degradante para todos. Salvo se as igrejas desejarem manter a ampliação da miséria para escamotearem a verdadeira libertação anunciada pelo Criador.
PS. Jornal sulista anunciou: No Brasil, classe C já compra quase a metade dos eletrônicos e eletrodomésticos. Parabéns, Cidadania Brasileira!! O caminho se faz andando, já diz um poema que faz caminhar.
(Publicada em 20/12/2010, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves