CRISTO ANTES DA E.C.


O pesquisador Tom Harpur, do jornal canadense Toronto Star, ex-pastor anglicano, professor de grego e Novo Testamento na Universidade de Toronto, costuma dizer que, como teólogo e jornalista, busca simplificar o mais que possível as questões complexas para o público comum e também instruído. Segundo ele, muitos pesquisadores só conseguem se comunicar entre si, ignorando a existência de cidadãos comuns, deixados à própria sorte, isso tudo sendo verdadeiro no tocante as questões teológicas, as crenças e doutrinas religiosas.

No seu livro O Cristo dos pagãos: a sabedoria antiga e o significado espiritual da Bíblia e da história de Jesus, SP, Pensamento, ele afirma que a maior parte do contido em seu livro é conhecido há anos por alguns pesquisadores dedicados ao estudo comparativo das religiões, “desde a descoberta, em 1799, da Pedra de Roseta na margem ocidental do delta do Nilo pelo coronel Broussard, um oficial do exército de Napoleão, acontecimento esse que possibilitou pela primeira vez que se decifrassem os antigos hieróglifos egípcios”. Guardados foram em segredo por medo, interesse e temor de punição pelos poderes eclesiásticos, aqui representados pelas múltiplas representações religiosas. Incluindo o temor de serem rotulados de heréticos, ratificando o definido por Alvin Boyd Khun, pesquisador de religiões e linguista por “a sombra do século III, que ainda faz sentir sua presença”.

Segundo Harpur, a Igreja atual encontra-se numa encruzilhada. E o ex-primaz da Igreja Episcopal Escocesa observa: “o fim da religião cristã está próximo porque há um sistema solapando a tradicional ‘economia da salvação’, que mais se preocupa em preservar o seu próprio poder do que discutir a verdade”. Proclama ele a urgência de novos estudos esclarecedores sobre as origens egípcias das religiões judaica e cristã. Efetivando uma compreensão da religião em geral e do cristianismo em particular, favorecendo a crença “na presença de um poder divino ou de uma mente cósmica que está por trás do universo e que o perpassa, e na sobrevivência da alma após a morte”.

Torna-se imprescindível divulgar a tradução da pedra de Roseta feita por Champolion, em 1822, “onde há provas irrefutáveis de que nenhuma doutrina, rito, princípio ou uso isolado na religião cristã tenha sido na realidade uma contribuição nova ao universo religioso”. E mais afirma Harpur: “Hoje não existe mais desculpa nenhuma para qualquer integrante das hierarquias ignorar a verdade do que realmente transpirou. Os registros estão aí para todos verem. Não só os primeiros cristãos se apoderaram quase completamente dos mitos e ensinamentos dos seus mestres egípcios, mediados em muitos casos pelas religiões de mistérios, e pelo judaísmo nas suas muitas expressões, mas também fizeram tudo ao seu alcance para destruir as evidências decisivas do que aconteceu – pela falsificação e outras fraudes, queimando livros, eliminando personalidades e cometendo assassinatos propriamente ditos”.

O que todos os cristãos necessitam, após deletadas as lantejoulas escapistas e ilusórias que persistem em anestesiar, é tornarem a história de Jesus adquirir força libertadora, assimilando seus ensinamentos imbricados em múltiplos eventos acontecidos antes dele. Um Cristo Libertador radicalmente encarnado em nossos interiores pessoais e comunitários.

A propósito, uma reflexão do nunca esquecido arcebispo emérito Dom Hélder Câmara, de Olinda e Recife, nos ajudará a perceber o nível encruzilhadal do momento eclesial presente: “Não temos o monopólio da verdade. Não temos o monopólio do Espírito Santo. Devemos ter toda humildade diante daqueles que, mesmo não tendo jamais ouvido o nome de Cristo, talvez possam ser mais cristãos de que nós mesmos”.

Tom Harpur também ressalta a importância do mito, segundo ele “o repositório da mais antiga ciência humana”. E recomenda: “quem quiser compreender a religião, as ideias religiosas e os documentos religiosos – isto é, os textos sagrados de qualquer natureza – deve entender que o divino, o oculto, o inefável, as obras do espírito no coração humano ou no cosmos em geral não podem ser expressos convenientemente de outra maneira a não ser pelo mito, pela alegoria, por um conjunto de imagens, parábolas e metáforas. Uma narrativa literal, descritiva, leva inevitavelmente à idolatria ou ao extremo absurdo. … A religião cristã não precisa ‘desmistificar’ a sua história; precisa ‘remitificá-la’”.

Uma outra leitura também clareará a mente dos mais antenados, favorecendo uma evangelização verdadeiramente libertadora: o livro Um Novo Cristianismo para um Novo Mundo, do bispo episcopal anglicano John Shelby Spong, SP, Verus Editora. Um texto que revela como o cristianismo tem sido utilizado “como instrumento de poder da Igreja e dos homens, seja para vencer seus medos, para justificar os absurdos da vida ou mesmo para subjugar aqueles que são, de alguma maneira, diferentes – na cor da pele, nas crenças ou nas preferências sexuais”. Um livro que faz o ser humano buscar “um Deus vivo e presente em toda a humanidade, jamais um ser sobrenatural e isolado numa redoma divina e celeste”. Um Deus de sempre um não-morrer do Cristianismo planetário.

(Publicada em 16.06.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves