CRISTIANISMO PARA NOVOS TEMPOS
O pensador e crítico literário Terry Eagleton, em seu livro Jesus Cristo Os Evangelhos, editado pela Zahar em abril deste ano, explica que “a finalidade da profecia não é prever o futuro, mas alertar os que vivem no presente de que seu futuro decerto há de ser bastante desagradável, a não ser que mudem seus costumes”.
O aplaudido G. K. Chesterton (1874-1936), uma inteligência de dois metros e nove centímetros de altura recheada de muita irreverência, bom-humor e eloquência, num dos seus escritos – 4.000 artigos para jornais, 100 livros, mais de 200 contos, entre os quais o mundialmente consagrado O homem que foi quinta-feira -, revela: “um dos jogos a que a raça humana é mais apegada chama-se ”Mantenha o amanhã nas trevas”, também conhecido por “Engane o profeta”. Os jogadores ouvem com extremo cuidado e respeito tudo o que os homens argutos têm a dizer sobre o que acontecerá na próxima geração. Em seguida, esperam até que todos os homens argutos estejam mortos e lhes dão um belo funeral. Depois disso, vão em frente e fazem outra coisa. E é só. Para uma raça de gostos simples, no entanto, é muito divertido”.
Vez por outra dou uma espiada num livro que relembra insistentemente que a história do cristianismo deveria ser a história de inovadoras adaptações. Trata-se de A Próxima Cristandade, de Philip Jenkins, Record, 2004. Que denuncia com todas as letras e vírgulas: “Algumas Igrejas do Ocidente não querem responder aos novos desafios globais. Outras, estão simplesmente impossibilitadas de fazê-lo, porque enfrentam demandas que competem por recursos escassos”.
Não me conformo, por exemplo, com o cartaz que se dá a Pôncio Pilatos, inserindo-o numa das principais orações assertivas do mundo cristão. Nos Evangelhos, ele é apresentado como um intelectual vacilante, o que não é o que retrata os historiadores da época. Pilatos foi um vice-rei notoriamente cruel, “preposto romano acusado de suborno e crueldade, de ordenar execuções sem julgamentos, e que acabou afastado com desonra”. Os autores dos evangelhos, segundo Eagleton, “amenizaram a vileza de Pilatos, ao mesmo tempo que carregavam nas tintas na responsabilidade dos judeus pela morte de Jesus, porque a Igreja dos primeiros tempos tinha suas próprias razões para cultivar uma relação com as autoridades imperiais”.
Certa feita, perguntei a alguém se daqui a mil/dois mil anos as Igrejas estariam manuseando um Terceiro Testamento, conteúdo composto de textos alertadores dos séculos anteriores, inclusive o nosso. Onde estariam Teresa de Ávila, Hélder Câmara, John Shelby Spong, Lutero, Calvino, Hans Küng, entre outros, numa editoração radicalmente ecumênica, favorecendo povos e nações. A autoridade afirmou que as Sagradas Escrituras já estavam definitivas. Com todo respeito, então, indaguei se não haveria possibilidade de se fazer uma contemporeização das Escrituras, eliminando desatualizações que se explicitam em Êxodo 21-7 e 35-2 e Levítico 25-44, 18-19 e 20-18, erradicando-se do Novo Testamento algumas incoerências, como por exemplo a acentuação de São Paulo sobre a primazia da fé sobre as obras, diametralmente oposta à ênfase dada por Tiago, o irmão de Jesus, para as obras como fatores da salvação. Atualizações que muito beneficiariam a compreensão das Escrituras por uma geração preparada cientificamente mas religiosamente distorcidas pelas instituições cristãs. De respostas nem sempre positivas.
Quando eu saí do gabinete pastoral, abraços trocados, tive a sensação de que talvez fosse interesse das Igrejas manterem o ambiente com poucas luzes, embora Cristianismo de escuridão enfastia, como bem reflete a oração daquela menininha que pedia todas as noites, ao deitar-se: “Deus, que os maus não sejam tão maus e que os bons não sejam tão chatos”. Chatos como os que colocam em seus automóveis “Propriedade exclusiva de Jesus”, talvez induzindo para onde devem ser remetidas as multas.