CRISE DO QUARTO DE VIDA


Numa revista semanal recente, uma reportagem deveria merecer as atenções das autoridades educacionais brasileiras, principalmente as vinculadas ao ensino superior. Trata-se da crise que está afetando jovens da faixa de 25 a 30 anos, crise existencial predominantemente de classe urbana e instruída, que carrega “incertezas, isolamento, confusão e ansiedade sobre trabalho e relacionamento”. Na literatura médica anglo-saxônica, ela é classificada como quarterlife crisis, em nosso português assumindo a denominação crise do quarto de vida.
Quem trabalha na área do ensino superior facilmente percebe entre os alunos aqueles que não conseguem tomar decisões porque ainda não sabem o que querem, também nada decidindo porque ainda não sabem quem são. E ainda não sabem quem são porque podem ser o que desejarem, assim imaginam, diferentemente dos seus pais que possuíam, aos 25 anos, objetivos claros e determinados: casamento com filhos, trabalho e casa. E porque se imaginam poder fazer o que bem entenderem, tais jovens terminam por assimilar milhões de dúvidas e apreensões dos mais variados quilates, resultando em portentosas inseguranças, que terminam por vitimar inteligências de excelentes potenciais.
A reportagem define: “a atual geração tem mais dinheiro, mais autonomia, mais direitos do que as anteriores, mas não sabe direito o que fazer com tanta liberdade. Investir na carreira? Estudar no exterior? Tirar um ano sabático? Diante de tantas dúvidas, a vida fica estagnada, num labirinto de muitas saídas, mas nenhuma muito clara”. Assim, diante das incertezas, surgem os denominados “filhos cangurus”, aqueles que ainda não se descolaram dos pais, permanecendo no bem-bom residencial. No Brasil, as últimas estatísticas revelam a existência de 3,3 milhões de famílias com filhos cangurus.
Com a crise financeira nos quatro cantos do planeta, a crise dos 25 se instala com mais intensidade, agigantando-se as encruzilhadas existenciais, desfavorecendo a emersão de uma postura sartreana: “Não importa o que fizeram de mim, importa o que eu faço daquilo que fizeram de mim”. A crise fará renascer o Ser antes do Ter numa classe média que se encontrava apenas preocupada com amanhãs de Ter, resvalando o Ser para os ontens doutrinais que catapultavam amplas discussões e múltiplas idéias. Onde a música “Ouro de Tolo”, do menestrel baiano Raul Seixas, caía como uma luva de pelica.
A questão que se agiganta nos jovens da crise do quarto de vida é shakespeareana: ser ou não ser? Os que se imaginam ficar neutros, se enganam profundamente. Não se pode ficar neutro em momento algum da nossa existência. Ou praticam a sinceridade ou aderem ao cinismo, tal e qual é exercido atualmente no Congresso Nacional, que está a necessitar de uma intensa varredura, queira Deus pacíficamente.
Para os jovens em crise, o século XXI tornou-se bem mais complexo do que o século anterior. Tudo parece estar de ponta cabeça, apesar dos avanços gigantescos da tecnologia e dos meios de comunicação, com os microcomputadores efetivando feitos memoráveis, ligando instantaneamente os quatro pontos do mundo. A maravilha tecnológica convivendo com milhares de mortes de civis, desemprego em cascata, desestruturações familiares, drogas e bandidagens, corrupção em todos os poderes da vida pública, pirotecnias sexuais episcopais, infidelidades múltifacetárias e descriatividades religiosas, tudo contribuindo para a ampliação da degradação do ser humano e o desespero existencial dos jovens ainda não ingressos numa maturidade emocional.
Dizem os especialistas que dois tipos se destacam entre os seres humanos. O primeiro é o desespero pelo desejo de não ser um eu próprio, denominado de desespero-fraqueza. O outro desespero se configura pelo desejo de ser um eu próprio, conhecido como desespero-desafio. O segundo bem promissor, o primeiro autodestrutivo.
Lição última: existem pessoas que não assumem o “esperado” delas, mas olhando para si, fazem algo novo, desmistificando todas as expectativas dos outros! Exemplo notável é o de Helen Keller (1880-1968), que nasceu cega, muda e surda. E quando todos esperavam que fosse mais uma criança deficiente, eis que, através da ajuda de sua professora Ana Clivam, ela desafiou o seu destino e aprendeu, agigantando-se para o mundo inteiro.
Que os jovens em crise apreendam a reflexão de Martin Heidegger: “O homem é um ser que está para além da sua própria situação”. Jamais tornando-se escravos da rotina, nunca portadores do desespero-fraqueza. Porque compreenderão, enfim, que os que mantiverem posturas de desespero-fraqueza, jamais se permitirão alcançar as utopias desafiadoras que diante deles se postaram, impossibilitando-os do cumprimento das missões que lhes foram destinadas pela Criação.