CRIATIVIDADE EM RECESSO


Muita gente está percebendo sem muito esforço: o nível dos programas televisivos está em acentuado declínio. A inventividade, a sensualidade, o humor contagiante e a transmissão de conhecimentos, salvo as exceções de praxe, estão relegadas, sobressaindo-se o chulo, a hipocrisia calhorda, o exibicionismo chifrim, as perguntas primatas, as respostas simiescas, o grotesco e o humilhante. Tudo acontecendo com base num grande “princípio”: fundamental respeitar o lastro cultural, social, linguístico e analfabético da audiência. E sob um nível de indignação cada vez mais reduzido, como se o pensar de Paulo Freire – “mudar é difícil, mas é possível” – carregasse uma utopia impossibilitante, dessas que estão apenas no imaginário dos que não sabem levar vantagem em tudo, tampouco se ligando na letra do cantado pelo Zeca Pagodinho, que recomenda que a vida deve ser levada, levando-se.
Uma reflexão do Freire, explicitada no Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e Outros Escritos, parece que nunca foi lida pelos descriativos que buscam transtornar as vias midiáticas com meia dúzia de bobalhadas. Para os leitores JC: “A rebeldia, enquanto denúncia, precisa de se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho.”
A tal posição anunciadora, citada pelo Freire, requer consciência voltada para os interesses do mundo como um todo, advinda das múltiplas camadas sociais. Posição que qualifica, politiza e amplia a enxergância dos mais desligados, também exigindo coragem e compromisso, resiliência e fazejamento, um neologismo que muito aprecio, bolado pelo arquiteto Paulo Roberto de Barros e Silva, de quem sou admirador de muitos anos.
Para todos aqueles que desejam ampliar sua indignação diante das bobajadas contemporâneas, efetivando iniciativas pedagógicas que resultem em procedimentos construtivos, nunca censoriais, recomendaria uma leitura pra lá de salutar. São os trezentos aforismos de Baltasar Gracián, um jesuíta espanhol, nascido em 1601, que exerceu seu talento na arte de escrever sobre a ética da vida mundana. O livro A Arte da Sabedoria, originalmente intitulado Oráculo Manual y Arte de Prudência, foi leitura entusiasmada de Nietzsche, Schopenhauer, Voltaire e Lacan, o primeiro declarando que “a Europa nunca produziu nada mais refinado em questões de sutileza moral”.
Provocado pelo Rinaldo Ferreira, irmão querido de docência e sonhos da Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco, atrevo-me a extrair do texto do Gracián dez mandamentos que muito bem serviriam para orientar algumas autoridades deste país, inclusive religiosas. Ao leitor JC, a tarefa de pôr a carapuça nos cocurutos eleitos.
Eis as recomendadas, as demais também excelentes: 1. Conhecimento e coragem se unem no caminho da grandeza; 2. Não ser fraco devido ao excesso de bondade; 3. Não transformar uma tolice em duas; 4. Ter uma noção real sobre si mesmo e suas possibilidades; 5. Não competir com algúem que nada tem a perder; 6. Não se tornar infeliz por compaixão dos infelizes; 7. Nunca ser um vigia dos defeitos alheios; 8. Saber reconhecer o ponto de maturação no tempo certo e tirar proveito disso; 9. Jamais ser comum; 10. Saber quando a sorte não está a seu favor.
De As Intermitências da Morte, de José Saramago, lançado em outubro do ano passado, permito-me recolher mais cinco balizamentos, todos eles complementares aos acima citados: 1. Nunca desespevitar as orelhas; 2. Jamais deixar esmorecer seu frenesi indagador; 3. Contra o que tem de ser toda a força sobra; 4. Demasiado açúcar no pudim dá cabo do paladar; 5. Sempre evitar apostar em pau de fósforo queimado.
No mais, reunir-se em grupo e escolher os destinatários!