CONTRAPONTO DE UMA NOVELA


Fazendo sala à mulher em tratamento médico, costumo assistir com ela alguns programas de televisão, trocando ideias e dialogando sobre amanhãs. Um dos eventos, entretanto, uma novelunda (novela bunda) escrita sem qualquer firmeza moral, mostra uma jovem autista em conflito com uma mãe histérica de marido apalermado, irmão idiótico, irmã criminosa e pretenso namorado desprovido de têmpera combatente. Evento que deve ser visto como pastelão lacrimoso de quinta categoria, destinado a classes sociais emocionalmente incompletas e ainda não inseridas nos desafios contemporâneos de uma conjuntura repleta de obstáculos analfabetizantes.

Para os que ainda estão acompanhando o dramalhão, recomendo com entusiasmo a leitura de um livro lançado em julho do ano passado pela Zahar, intitulado Brilhante – a inspiradora história de uma mãe e seu filho gênio e autista, de Kristine Barnett, que vive em Indiana (EEUU) com marido e três filhos, fundadora de um centro comunitário gratuito, o Jacob’s Place, para crianças autistas e portadoras de necessidades especiais e suas famílias. Uma história de mãe e um filho de QI comprovadamente mais alto que o de Einstein, portador de uma descomunal memória fotográfica, tendo aprendido cálculo matemático sozinho em apenas duas semanas.

Diferentemente de quando Jake tinha três anos, quando disseram à sua mãe que ele nunca seria capaz de ler, Kristine narra em seu livro a emoção de vê-lo, aos nove, numa aula de física da universidade, conversando cientificamente com um professor, desenvolvendo no quadro branco, com rapidez incomum, uma equação matemática, deixando boquiabertos os demais alunos da sala e outros professores que foram atraídos quando viram um garoto se esticando todo em cima de uma cadeira, apresentando a solução no quadro branco. Emoção renovada quando ela, posteriormente, viu seu filho, aos doze anos, sendo contratado como pesquisador remunerado da mesma instituição de ensino superior.

O livro é um esplendoroso contraponto aos que não sabem conjugar esperança, fé e amor diante de um problema aparentemente inexpugnável, não sabendo manter as mentes dos filhos abertas, liberando suas potencialidades, atrapalhando pedagogicamente mais que auxiliando.

No Brasil, inexiste apoio permanente aos superdotados que frequentam “normalmente” as nossas escolas primárias. Geralmente, resvala-se debilmente para posturas assistencialistas debiloides, que satisfazem pais desatentos, desapercebidos dos neurônios dos seus herdeiros, preferindo encharcá-los de bobajadas mil tecnológicas, robotizando-os na direção de um não-pensar irreversível, pela lei do menor esforço. Ratificando o pensar de Albert Einstein, quando ele profetizou certa feita: “Tenho medo do dia que a tecnologia vai se sobrepor à interação humana. O mundo terá uma geração de idiotas.”

O título de um editorial recente do jornalista Mino Carta – A Imbecilização do Mundo – retrata a última novidade gastronômica da alienada elite europeia, em simpósio realizado em Copenhague: formigas vivas nutridas com citronelas e coentro, de gosto suavemente acidulado. Uma minoria de imbecilizados aplaude, segundo Carta, num mundo onde a pobreza fermenta e muitos milhões estão morrendo de fome. Não se exigindo esforços mentais para perceber que todo idiota é aquele que manifesta prepotência exibicionista num contexto que clama por melhor aprimoramento das riquezas, principalmente as intelectivas.

Os impactos causados pelas inovações tecnológicas, ressaltando a criatividade do ser humano, impulsionarão a qualificação da humanidade, favorecendo parcerias múltiplas, tudo devidamente gerenciado por habilidades que rejeitem ingenuidades e preconceitos, inclusive as incapacidades de integrar eficazmente um saber técnico e uma visão holística. Erradicando o tecnocrata bundão, exemplo que deveria arrepiar os responsáveis por uma Educação Brasileira voltada para um cada vez ser mais, na obtenção de um ter mais amplamente distributivista.

Para os profissionais educadores XXI, os desafios não são intransponíveis, desde que abandonadas as mesmices dos ontens que se tornaram motes para amplas ridicularizações. Permito-me, para os que estão curtindo férias, verão, pinga e sarro, sugerir um salutar DTI – Desabestalhamento Total Interior. Um método barato para todo aquele que queira contaminar-se com o vírus de um savoir vivre responsável, altaneiro, não fétido e nem puritano. De muita valia para crianças e adolescentes de pais e mães que apenas vivem raciocinando da cintura para baixo.

A pergunta fica no ar: quantas tragédias serão ainda necessárias para ampliar a consciência de uma elite que se imagina protegida das revoltas mais legítimas, tornando-se vítima das suas próprias incompetências e megalomanias?

PS. Para os filhos dos idiotas e demagogos, fingidos e amacacados, a lição imorredoura de Galileu Galilei: “Não se pode ensinar nada a um homem: só é possível ajudá-lo a encontrar a coisa dentro de si”. E para os de todas as idades e contas correntes, partidos políticos, religiões e sexos, o Domenico de Mais, em seu livro A Emoção e a Regra, nos convida para uma nova maneira de enxergar o macro-derredor: “Nessa nova sociedade, que privilegia a produção imaterial, as necessidades do indivíduo são outras: tempo e privacidade, amizade, amor, ócio inteligente e enriquecedor, e a convivialidade. A última coisa que interessa é a ostentação”.
Se eu pudesse, gostaria de enviar a todos os idiotas do planeta uma conclamação, parodiando a que foi elaborada pelo Karl Marx, nos meados do século XIX. Um alerta que muito beneficiaria uma nova humanidade: “Idiotas de todo mundo, percebei-vos quão tolos estais sendo, para deleite dos que os querem escravos de amanhãs sem democracia!”. Toda misericórdia para os que, imaginando-se argutos, imaginam estar escanteando os inteligentes que estão de há muito catalogando-os, para gozá-los, sem dó nem piedade, no frigir dos ovos.

(Publicada em 27.01.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves