CONTRA LOBOS DEVORADORES


Há um versículo no evangelho de Mateus que bem poderia balizar a espiritualidade de todos aqueles que acreditam na Criação, a denominação religiosa aqui pouco importando: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores” (Mt 7,15). E o mais instigante vem de uma hipótese cada vez mais comprovada por inúmeros afastados: quanto mais uma pessoa se enfronha com a instituição religiosa da qual faz parte, mais lúcida se torna para ela a distinção entre igreja e espiritualidade, a primeira repleta de “ispertos” que iludem os mais ingênuos, a segunda manifestando a integração humana com o Sempre Um, pois “compreender essa dimensão é entrar em contato com o absoluto e o infinito, é alcançar uma percepção cósmica de nossa própria origem”, no entender de Nilton Bonder, esse rabino notável, autor de inúmeros livros, inclusive Sobre Deus e o sempre, reeditado recentemente pela editora Rocco.

Num dos últimos finais de semana, enquanto a Melba foi visitar, em Aracaju, a Larinha, neta recém chegada, iluminação da Ana Carolina e do Eduardo, li um livro cutucador: Ímpio: o evangelho de um ateu, Leya, 2011. De Fábio Marton, um ex-pastor “inconformado com a lavagem cerebral provocada por certas instituições religiosas e com o fanatismo de alguns indivíduos”, para quem “ser intelectualmente honesto não é defender aquilo em que se acredita, mas o que se enxerga”. E que acredita piamente que a influência do cristianismo é fundamental para se entender o mundo ocidental, apesar das cafajestadas praticadas por oportunistas de todas as denominações e posições hierárquicas, em atos e posturas financeiras, parentais, pedofílicas e ordenacionais.

O livro do Fábio Marton possui boa dose de serenidade, sem perder a capacidade de indignar-se, tampouco não deixando de lado seu lado ácido, parte indissociável do conteúdo apresentado. O livro revela um autor possuidor de uma boa dose de coragem, a primeira das qualidades humanas, porque é a que garante as outras, reflexão aristotélica surgida quatro séculos antes do nascimento da Criança, esse Amor Infinito de quem sou servo sempre pecador.

Seguramente, as reflexões do Marton ajudam a diferenciar religião de espiritualidade. Tarefa que poderia ser amplamente fortalecida com a leitura do livro Como vejo o mundo, de Albert Einstein, o genial estruturador da Teoria da Relatividade. Disse o Prêmio Nobel de Física, inteiramente despido dos orgulhos e imodéstias dos pouco densos: “O mistério da vida me causa a mais forte emoção. Este sentimento suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece este sentimento ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos se cegaram. Aureolada de temor, é a realidade secreta do mistério que constitúi também a religião… Deste modo e somente deste modo, sou profundamente religioso”.

Permanecer sempre no centro do seu ser, ainda é a melhor maneira de se aprender um pouquinho mais. E de apreender derredores, fatos e cenários. Vacinando-se contra a confiança em demasia, a especialização individual excessiva, a rotinização do convívio e a cegueira religiosa.

Sonhar sempre é mais que necessário. Sempre com os pés bem plantados e o coração apaixonado, posto que a lição de T.S.Eliot continua contemporârea: “Somente quem se arrisca a ir longe fica sabendo até onde pode chegar”.

Recomendo vivamente uma leitura atenta do livro do Fábio Marton. Para uma separação bem nítida entre o joio e o trigo, desabestalhando os ainda mais desatentos, alertando-os para as esganaduras praticadas por religiosos sabidões, que buscam enganar desatentos e carentes através de cultos denominados de “quentes”, ainda que recheados de tropeços, mentiras, nepotismos e cavilações, inclusive a que proclama que o Diabo se encontra em nosso rastro diário, de chifres pontudos de corno diplomado, preparando seus botes para lançamento de todos nas profundezas do inferno.

(Publicada em 29/08/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves