COMUNICAÇÃO E CARÁTER
Os percentuais de aprovação alcançados por alguns poucos executivos estaduais brasileiros são provas cabais de uma comunicabilidade invejosa, daquela capaz de escamotear os desvãos de uma crise planetária, pelo menos enquanto ela não alcançar mais fortemente a carteira dos brasileiros, ainda contemplada de bolsa-disso e bolsa-daquilo, embora tudo muito periclitante, quase à beira do buraco. Com perspectivas nada agradáveis para o próximo ano. Infelizmente são pouco os agraciados com aprovação alta.
Entretanto, as análises de especialistas nacionais, psicanalistas, sociólogos e cientistas políticos, preocupados com os destemperos e alienações presidenciais que “não ajudam o país a criar uma ideia de um chefe de Estado competente”, não possuem repercussão alguma num país que expõe um sem número de escolas de ensino básico sem luz elétrica, percentagem alta de escolas primárias sem oferecer lugar para os alunos se sentarem, mais da metade dos discentes do ensino fundamental estudando em escolas sem biblioteca, onze mil estabelecimentos de educação fundamental carecendo de sanitários e noventa e cinco por cento da rede pública não tendo rampa de acesso para os de mobilidade reduzida. Dados publicados na revista Educação, tendo como fontes a Unesco, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. De seriedades comprovadas em pesquisas do gênero, para tapar o rabicho dos defensores do atual charco político, quando uma reflexão do inesquecível Jorge Luís Borges nunca foi tão atual: “Não há nada pior que o ressentimento dos medíocres”.
A amostra dos indicadores educacionais retrata uma gigantesca alienação societária, que nem um pouquinho percebe a advertência dos cientistas políticos, quando afirmam que o presidente Inácio da Silva “deveria adotar um tom mais sóbrio, aconselhando a população a se preparar para os possíveis reflexos da crise global. Isso inclui um linguajar com menos ‘gracinhas’ ou palavras de baixo calão”.
O que mais preocupa os entendidos em Ética Governamental, numa era de alta tecnologia, tão bem explicitada no livro O Princípio Responsabilidade, do filósofo Hans Jonas (1903-1993), discípulo de Martin Heidegger na Universidade de Freiburg, é o problema da dupla-face dos primeiros mandatários. Um exemplo, a título de esclarecimento: antes de declarar para os abilolados de sempre que os empresários de um mercado tido e havido como onipotente correm para o Estado quando estão em situação diarréica, o ex-presidente Inácio da Silva assinou a declaração do G-20, que dizia: “nosso trabalho por uma crença compartilhada de que os princípios de mercado … estimulam o dinamismo, a inovação e o empreendedorismo que são essenciais para o crescimento econômico, o emprego e a redução da pobreza”. Poucos se importando, porque também corrupto, para uma definição feita por Luiz Carlos Bresser Pereira: “O capitalismo é essencialmente um sistema corrupto, e os capitalistas estão permanentemente corrompendo o setor público”.
O luso Fernando Pessoa tem um poema intitulado Às Vezes, aqui reproduzida a segunda estrofe: “Outras vezes usa o tédio, quando quer nos mostrar / a importância da aventura e do abandono. / Deus costuma usar o silêncio para nos ensinar / sobre a responsabilidade do que dizemos.”
Encareço a todos os amigos, neste final de um vergonhoso ano político, sonhar sempre. Sempre com os pés bem plantados e o coração apaixonado, posto que a lição de T.S.Eliot continua contemporânea: “Somente quem se arrisca a ir longe fica sabendo até onde pode chegar”.
Relerei, antes do próximo dia 31, o que escreveu, certa feita, uma amiga paranaense: “Gosto de gente com a cabeça no lugar, de conteúdo interno, idealismo nos olhos e dois pés no chão da realidade. Gosto de gente que ri e chora, se emociona com uma simples carta, um telefonema, uma canção romântica, um gesto de carinho, um abraço e uma ternura. Gente que ama e sabe curtir saudades.
Gosto de gente que cultiva flores, admira paisagens, semeia perdão, reparte vivências e confidências, sem fugir de compromissos difíceis e inadiáveis por mais desgastantes que sejam. Gente que orienta, entende, aconselha, busca a verdade e quer sempre aprender, ainda que a lição advenha de uma criança, de um pobre ou de um analfabeto. Gente de coração desarmado, sem ódio e preconceitos cavilosos. Gente que erra e reconhece, cai e levanta, apanha e assimila os golpes, tirando lições dos erros, fazendo redentoras suas próprias lágrimas e sofrimentos. Gosto de gente assim, desconfiando que é desse tipo de gente que Deus também gosta”.
Ultrapassados os burburinhos de mais uma festividade natalina, minimizados os fingimentos, as maquiagens e as macaquices, as esperanças por um mundo mais humano persistem solidamente plantadas nos corações dos menos desavisados. Sempre antenados com o pensamento de Erich Fromm, esse notável autor de Ter ou Ser, um livro de cabeceira de muitos: “Pela primeira vez, na História, a sobrevivência física da espécie humana depende de uma radical mudança do coração humano. Todavia, uma transformação do coração humano só é possível na medida em que ocorram drásticas transformações econômicas e sociais que deem ao coração humano a oportunidade para mudança, coragem e visão para consegui-la”.
Com as minhas leituras de férias programadas a partir de Antologia da Maldade – Um Dicionário de Citações, Associações Ilícitas e Ligações Perigosas, de autoria de dois economistas de nomeada, Gustavo Franco e Fábio Giambiagi, edição Zahar de novembro passado, reavaliarei passos e caminhadas, posturas e compromissos, atos e fatos de pretéritos que jamais ressurgirão, mas que não deverão ser olvidados. E me presentearei com uma dose dupla de serenidade, sem perder a capacidade de indignar-me, tampouco deixando de lado meu lado molecal, parte indissociável da minha estrutura existencial, posto que sinto-me cada vez mais livre, “um menino-passarinho com vontade de voar”, relembrando esse Luiz Vieira, excelente menestrel arretado de ótimo.
Considero férias o melhor combustível para se seguir adiante, continuando a travar o bom combate, acreditando sempre que o mundo se revolucionará pacificamente através da ação radicalmente solidária dos seres humanos pensantes, sobrepujando desabafo de Euclides da Cunha, em carta de 14 de julho de 1890: “Desconfio muito que entramos no desmoralizado regime de especulação mais desensofrida e que por aí pensa-se em tudo, menos na Pátria”.
No mais, ficarei peregrinando com a Rejane por mares ainda não navegados. E nunca mais esquecerei que a coragem é a primeira das qualidades humanas, porque é a que garante as outras, frase dita por Aristóteles quatro séculos antes do nascimento da Criança, esse Amor Infinito de quem sou servo sempre pecador.
Como seria bom se todos nós, os não acachapados, pudéssemos bradar diante do Palácio do Planalto, em janeiro próximo, preocupados com um futuro pátrio desconstruído pela incompetência estratégica de quem esbraveja sem mais comando algum: Por favor, desista senhora presidanta!
(Publicado em 14.12.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com/sempreamatutar)
Fernando Antônio Gonçalves