COMO SE VICIAR EM LIVROS
Uma professora que morava quase defronte da minha casa, na rua de minha adolescência, no Recife, me contaminou com um virus muito abençoado: a mania de ler. Myriam Didier do Rego Maciel era seu nome, também diretora de escola pública de nomeada, esposa amada de Lauro Didier e mãe de Adelaide, Heloísa, Bernardete, Dulce e Eneida, nessa ordem de chegança, um quinteto ouro de lei, gente que até hoje muito amo, sentindo-me delas irmão. Sou sempre agradecido à professora Myriam Didier pelos instantes de leitura incentivados em ocasiões que também muito favoreceram meu irmão Zécarlos, o Aluízio e o Binha, apelido carinhoso do hoje consagrado médico cardiologista José Maria Pereira Gomes.
Os livros do casal Didier muito ampliaram minha visão de mundo, favoreceram a edificação de um pensar menos ovelhoso, ampliaram sonhos e me proporcionaram um redigir sem grosseiras incorreções gramaticais. Volumes que constituíam uma esplendorosa biblioteca, composta de quatro imensas estantes chão-teto que dominavam inteiramente um amplo quarto de estudo.
Hoje, raras são as residências que possuem uma estante mínima de livros de cultura geral. E tal inexistência fazem minguar a curiosidade infantil, castram o interesse dos adolescentes pela leitura, favorecendo uma visão apequenada de um contexto planetário que se altera velozmente. Vitimando uma geração mais individualista e alienada, desatenta aos graves problemas do mundo contemporâneo. E que apenas pensa em modernosidades consumistas, condicionadas por mentes de neurônios de há muito já enfastiados.
Atualmente, nas universidades que frequento, percebo novamente uma já não mais incipiente ânsia de saber, ainda minoritária, embora visivelmente ascensional. Parece até que a reflexão-denúncia de José Saramago, exposta em As Palavras de Saramago, organização e seleção de Fernando Gómez Aguilera, Companhia das Letras, 2010, já incomoda uma geração que deseja também dar sua colaboração na edificação de uma civilização século 21 mais dignificante: “Não sei qual papel os intelectuais de hoje devem ter no mundo. A questão é saber se eles de fato querem ter algum papel, e a minha impressão, a partir dos fatos, é que eles não querem ter papel algum. Abriram mão de sua tarefa de consciência moral que tiveram em alguns momentos. Hoje, o escritor, diante da televisão, diante dos grandes meios de comunicação social, praticamente não tem mais voz e, mais do que isso, muitas vezes condiciona sua própria voz aos interesses desses meios. Cada vez mais, somos meros atores de livros, e contribuímos cada vez menos para a formação de uma consciência”. Concordando plenamente com um pensar de Rubem Alves, notável homem de ação: “Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isto existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre terra firme. As perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”.
Entusiasticamente, no atual semestre universitário, estou recomendando aos meus alunos de Administração um guia clássico para uma leitura inteligente. Um livro que foi editado nos Estados Unidos em 1940 e que vem recebendo sucessivas reedições, sempre com sistemáticas atualizações: Como Ler Livros, de Mortimer Adler & Charles Van Doren (que a reviu em edições últimas), da editora É Realizações, 2010. Para quem não possui intimidade com ensino, Mortimer Adler (1902-2001) foi filósofo, professor e teórico da educação norte-americano que “evitava a linguagem acadêmica a fim de fazer com que seus pensamentos fossem acessíveis a qualquer tipo de leitor, e não apenas a especialistas e acadêmicos”.
O livro se encontra estruturado em quatro grandes partes: 1. As Dimensões da Leitura, 2. O Terceiro Nível de Leitura: a Leitura Analítica, 3. Como Ler Diversos Assuntos e 4. Os Fins Últimos da Leitura. Além disso, dois apêndices complementares são por demais significativos: uma lista de leituras recomendadas e um conjunto de testes e exercícios sobre os quatro níveis de leitura – a elementar, a inspecional, a analítca e a sintópica (diz-se da relativa uniformidade dialetal dentro de um espaço geográfico, segundo o Dicionário Houaiss).
Quem sabe digerir o conteúdo de um bom livro, logo compreenderá a afirmativa feita pelo educador Rubem Alves, um terceira idade muito arretadamente ainda úcido: “Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isto existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”.
Saibamos abandonar os manuais, favorecendo a tesão dos manuéis que buscam ser, através das leituras que multiplicam ações concretas, também autores e atores dos contextos evolucionais que nos circundam.
(Publicada em 18/10/2010, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves