COMO EVITAR BARBARIDADES
O nível de leitura da gente brasileira se encontra muitos furos abaixo de um mínimo exigível pelos indicadores internacionais. Facilmente verificável em todos os ambientes universitários, salvo rarissimas exceções.
A pouca leitura acarreta uma dupla dificuldade. A primeira, a de escrever corretamente, explicitando ideias e argumentos compreensíveis. A outra se traduzindo em exposições orais que não revelam um bom domínio do idioma pátrio, aquele capaz de produzir entusiasmos e adesões.
Alguém já escreveu com singular propriedade que “escrever é reescrever”, para sempre evitar aqueles erros bestiais, que vitimam conceitos, fragilizam julgamentos, precipitam infelicidades. O escrever e o expor de modos corretos ampliam entendimentos, clareiam interpretações, fortalecem hábitos analíticos, prestigiando as profissionalidades mais diferenciadas.
Inúmeros atropelos podem ser constatados no Dicionário de Erros Correntes da Língua Portuguesa, de João Bosco Madeira e Adilson Gobbes, o primeiro docente, o segundo Assessor de Comunicação da editora Atlas, ambos aplaudidos pesquisadores do idioma de Camões e Fernando Pessoa. Eis uma amostrinha:
1. A palavra que, no idioma de Machado de Assis substitui a contento o termo spray é aerossol, jamais aerosol.
2. Uma das cédulas brasileiras tem o valor de cinquenta reais. Escrever cincoenta é prova de baita desconhecimento do vernáculo. Como é desagradável ouvir alguns preços serem chamados de dois paus, vinte paus e o escambau, numa clara demonstração de pintologia fóbica. Muito despertada em programas televisivos rabolátricos, aqueles que vão bem ao fundo na superficialidade.
3. Eu me classifico fisicamente como um coxo, vítima que fui de um atropelamento quando ainda me encontrava nos primeiros degraus da adolescência. Mas conheço um monte de parlamentares corporalmente bem talhados que não se desgrudam dos cochos orçamentários, vidrados que são em verbas para eventos de patuleia, aqueles que trazem votos, ainda que profundamente alienados. Para não falar daqueles outros que fazem da bunda um cocho recebedor de dólares e reais, frutos de procedimentos acanalhados que ainda não foram exemplarmente justiçados pelos tribunais brasileiros. Tampouco pelo eleitorado.
4. Pinta brava não é um pênis enraivecido, mas um mau elemento, bandido.
Nas presentes férias, assistindo falas nos mais diferenciados meios radiofônicos e televisivos, excetuadas as próprias dos ainda “desescolarizados”, tive ocasiões mil de testemunhar agressões descomunais à Língua Portuguesa. Concordâncias vexatórias que deixaram saudades naqueles repetitivos “a menas que” de um famoso candidato à presidência da República, hoje projeção internacional.
Lamentavelmente, de um modo geral, o universo vocabular do brasileiro reduziu-se bastante nas últimas décadas. Entre os universitários, inclusive. O já eternizado dicionarista brasileiro Antônio Houaiss, um dos nossos notáveis talentos acadêmicos, em duas ocasiões pesquisou, no ensino superior, o universo vocabular do terceiro grau. A primeira, na década de sessenta passada. A segunda, nos anos oitenta. De uma pesquisa para outra, o universo vocabular do universitário sofreu uma baita redução. De 2.300 palavras para pouco mais de oitocentas. Vitimando atualmente, inclusive, alguns docentes apelidados de “terceiro grau”, causadores de diversões múltiplas pelas bobajadas ditas em sala de aula. Algumas delas asseveradas com uma “arrotância” de fazer inveja a um tal de Albert Einstein, aquele Prêmio Nobel pra lá de genial, cuja fotografia mais célebre é aquela de língua bem estirada.
Na redação do Enem 2009, algumas pérolas dizem tudo. Outra amostrinha: “O problema da amazônia tem uma percussão mundial. Várias Ongs já se estalaram na floresta”; “O grande excesso de desmatamento exagerado é a causa da devastação”; “A floresta está cheia de animais já extintos. Tem que parar de desmatar para que os animais que estão extintos possam se reproduzirem e aumentarem seu número respirando um ar mais limpo”; “A floresta amazônica não pode ser destruída por pessoas não autorizadas” ; “Uma vez que se paga uma punição xis, se ganha depois vários xises”; “O que vamos deixar para nossos antecedentes?”.
O feijão com arroz do Ensino Fundamental brasileiro necessita urgentemente ser robustecido. Português, Matemática, Estudos Sociais e Ciências bem temperados por professores capacitados e remunerados sem vilanias, eis uma estratégia “desembromatória” que ainda por cima cidadaniza, preservando a dignidade do todo populacional. Para que tudo não se transforme num mar de “não-pensantes”, miserável como o Haiti, antes da tenebrosa destruição recente, merecedora da mais radical solidariedade universal.
PS. Diante da publicidade débil que mostra a realeza nostálgica fazendo propaganda de taças de vidro para a revista Rostos, compreendí ainda melhor as razões históricas que levaram Maria Antonieta à guilhotina.
(Portal da Globo Nordeste, 28.01.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves