COM AS URNAS RECOLHIDAS


Proclamados os resultados eleitorais, candidatos consagrados e Tiririca eleito pelos mais de milhão de votos majoritariamente de protesto paulistanos, sufrágios típicos de um ainda muito denso provincianismo político, é chegado o instante de efetivar uma paradinha estratégica para se repensar os amanhãs nacionais. Sempre de posse da reflexão famosa de Miguel de Unamuno: “Pelo que me diz respeito, jamais de bom grado me entregarei nem outorgarei a minha confiança a condutores de povos que não estejam penetrados na ideia de que, ao conduzir um povo, conduzem homens; homens de carne e osso; homens que nascem, sofrem e, ainda que não queiram morrer, morrem; homens que são fins em si mesmos, e não meios; homens, enfim, que buscam a isto que chamamos felicidade”.

Como seria de muita valia, antes da diplomação dos eleitos, a leitura pausada de uma série de crônicas expostas pelo pedagogo, poeta e filósofo, ensaísta e também teólogo Rubem Alves, também psicanalista aplaudido, no seu livro Conversas sobre política, Editora Verus, 2010. Leitura se possível não solitária, grupada e bem discutida, onde a vocação política, a ser exercida pelas personalidades consagradas nas urnas estivesse sem destemor a serviço da felicidades dos eleitores e das suas comunidades.

O autor do livro acima lamenta que “muitos sentem o chamado da política mas não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de conviver com gigolôs”, estes acanalhados metidos a políticos, eleitos pelos alienados e também corrutos que não sabem sequer diferenciar descobrimentos de origens de descobrimentos de destinos, os segundos mais belos, posto que revelam a grande lição da democracia: “é preferível cocô de rato a bosta de elefante”.

Sobre ratos, no seu livro, Rubem Alves é contundente: “A presença dos ratos na vida pública é evidência de que o nosso povo não sabe pensar, não sabe identificar os ratos … Não sabendo identificar os ratos, o próprio povo, inocentemente, abre os buracos pelos quais eles entrarão”. Concluindo com sabedoria ímpar: “Se a educação não cumprir a sua missão, o povo não aprenderá a pensar e estaremos condenados a conviver com os ratos.”
Com o veredicto proclamado pelas urnas, que o próximo ano de 2011 seja um ano destinado às novas “enxergâncias” políticas brasileiras, eliminadas as mesmices que sufocam e os denuncismos idióticos que apenas mascaram fétidas hipocrisias. Que os eleitos muito bem assimilem a lição que revela que “o crime não começa com o dedo que puxa o gatilho. Ele começa naquele que fabrica as armas”. E que o fundamental da democracia é a educação do povo, posto que “se a educação não cumprir a sua missão, o povo não aprenderá a pensar e estaremos condenados a conviver permanentemente com os ratos”.

Arquivadas as urnas que consagram e também decapitam, a reflexão de Celso Furtada não pode ser esmaecida em nenhum instante: “Não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo de nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de auto-destruição. Que possamos encarar esse desafio sem nos cegarmos, é indicação de que ainda não fomos privados dos meios de sobrevivência. Mas não podemos desconhecer que é imensa a responsabilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas”..

Percebe-se com nitidez que a sociedade civil brasileira ainda continua cambaleando entre uma expressividade comodista e uma politização impotente, necessitando revigorar-se para novas edificações estruturais, entendendo que os alicerces da liberdade de expressão são “o mais elementar dos atributos da dignidade humana”.

No mais, foi o pensador francês Antoine Saint-Exupéry que disse não dar “importância ao parlapatão imbecil que vem e censura a palmeira por ela não ser cedro e o cedro por ele não ser palmeira e, de tanto misturar os papéis, o que ele faz é tender para o caos”. E que deixou para os políticos de todas as eras e agremiações partidárias uma memorável lição: “Cego é aquele que, no intuito de criar, desmonta a catedral e alinha as pedras umas após outras, por ordem de tamanho”.

PS. Parabéns ao gov. Eduado Campos pela reeleição consagradora. E um abraço nos novos senadores pernambucanos Armando Monteiro e Humberto Costa. Por Pernambuco, tudo!!

(Portal da Revista ALGOMAIS, 04/10/2010, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves