CIDADANIA NA TERCEIRA IDADE
Se você, leitor amigo, for um dos quase 47 milhões de visitantes esperados em Nova York nos próximos doze meses, proponho-lhe um exercício de ampliação da sua cidadania planetária: testemunhar, em frente a uma das entradas do Rockfeller Center, sempre às quartas-feiras, a militância das Grandmothers Against the War (Avós contra a Guerra), de idades variando entre 65 e 95 anos.
Distribuindo folhetos, o GAW, como o grupo é conhecido, protesta contra o estúpido envolvimento belicista dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, causador de milhares de mortos e outros muitos milhares de feridos, sem qualquer desfecho à vista, ampliando desesperos e rancores.
As vovós militantes convivem com 38 outras organizações semelhantes. Somente em Nova York existem as Grannies for Peace (Vovós pela Paz), a mais antigas delas, fundada em maio de 1982, durante a Guerra Fria, as Raging Grannies (Vovós Coléricas), e as Granny Peace Brigade (Pelotão Vovó da Paz). Todas elas, independente das estações do ano e da inclemência do tempo, com perseverança nas mentes e corações rejeitam o conformismo e a apatia da geração norte-americana atual. Os dados acima foram retirados do número 46 de revista Piauí, julho passado, um periódico desacabrestado, editado em São Paulo pela Abril, com uma tiragem de mais de 50 mil exemplares. Leitura obrigatória para cucas não-alienadas
Segundo a reportagem, quando Bert Aubrey, 76 anos, um dos poucos cavalheiros do grupo, foi perguntado como se sentia por um repórter do New York Times, respondeu com o estribilho de um poema de Dylan Thomas, que conclamava todos aqueles que se aproximavam da eternidade a não partirem com mansidão: “Rage, rage against the dying of the light” (Enfureça-se , enfureça-se contra a luz que se apaga). E uma das manifestantes, diante da mesma indagação, respondeu com muita sabedoria: “Não estou fazendo isso para mudar o país. Faço isso para que o país não me mude”.
A fundadora do GAW, Joan Wile, tem uma convicção plena: “Tenho certeza de que, em algum lugar, existe um jovem com visão, carisma e garra para sacudir a sua geração. Esteja onde estiver, que apareça logo! Pois só assim, nós, senhorinhas idosas, poderemos voltar à nossa cadeira de balanço e ao nosso bingo, sabendo que o mundo está em boas mãos”. Mas não citou, em momento algum, qualquer personalidade brasileira, como o Lula.
As manifestações cidadanizadoras das “meninas da terceira idade” me fizeram recordar uma classificação de soldado feita por Napoleão Bonaparte. Ele dividia os seus homens em quatro grandes categorias: os inteligentes com iniciativa, os inteligentes sem iniciativa, os ignorantes sem iniciativa e os ignorantes com iniciativa. Aos inteligentes com iniciativa, Bonaparte os distinguia com as funções de comando geral, posto que eram estrategistas por índole. Aos inteligentes sem iniciativa, ele os deixava como oficiais, para o recebimento de ordens superiores, as quais seriam executadas diligentemente. Os ignorantes sem iniciativa seriam postos na frentes de batalha, servindo de bucha de canhão. Já os ignorantes com iniciativa, Napoleão os odiava, não desejando vê-los integrados aos seus batalhões.
Dizia Napoleão que um soldado ignorante com iniciativa é capaz de fazer besteiras enormes e depois sabidamente tentar ocultá-las. Além disso, faz o que não devia, fala o que não cabia, envolvem-se com quem não conhecia e ainda diz que de nada sabia.
Na vida empresarial e no setor público, um ignorante com iniciativa faz perder boas ideias, bons projetos, bons admiradores, produzindo sem qualidade porque altera processos definidos, tornando-se grande risco para todos os amanhãs.
Como livrar-se dos ignorantes com iniciativa, eis a questão. As “meninas da terceira idade” de Nova York possuem inteligência, iniciativa e tesão existencial. Estão agrupadas, favorecendo aos olhos do mundo o despertar cívico de uma nação, a norte-americana, que necessita melhor repartir as riquezas planetárias, não mais sobrepujando pela força dos seus coturnos e canhões as diretrizes estabelecidas pelos fundadores da pátria.
(Portal da Revista ALGOMAIS, 09/08/2010, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves