CHAT E PATETADAS


O caso eu conto como o fato se deu, recordando-me com saudades do escritor Paulo Cavalcanti, um bravo militante comunista que conheci na minha caminhada profissional. E o acontecido se deu numa das capitais nordestinas. Seguinte: três alunos de uma mesma sala de aula, duas adolescentes e um rapazinho, se encontraram num determinado chat de provedor internético. Uma das meninas, sonhadora que só, explicitava desejo imenso de um dia casar com um determinado artista de cinema, sendo rebatida pela outra, achando esta que se devia pôr os pés no chão quando o assunto fosse união a dois. O jovem, intrometendo-se, resolveu dar uma “alfinetada galhofeira” na sonhadora, recebendo de volta uma série de insultos, entre os quais o de que era um “corcunda de notre dame”, dada uma pequena deficiência dele, adquirida desde seu nascimento. Em resposta, o rapazinho recomendou que ela fosse “rodar a bolsinha” numa das avenidas da capital, posto que tinha conhecimento que a dita teria sido expulsa de quatro unidades escolares por ter sido flagrada andando para trás com colegas de aula e outros funcionários. Primeiro ato.

Não se sabe bem como, os pais da viciada em marcha ré resolveram idioticamente interferir na troca de desaforos dos adolescentes. Tiraram uma cópia dos diálogos acontecidos e denunciaram o jovem à delegacia especializada, no que acarretou um processo, onde também vigaristicamente o casal pedia indenização por perdas e danos. A decisão elaborada por uma equilibrada mente togada feminina foi a de apenas advertir o adolescente.

A troca de farpas entre os jovens não deveria merecer qualquer estardalhaço por parte de qualquer casal dotado de mínimo equilíbrio psíquico. O Lima, um talento natalense de 28 anos, escreveu certa feita que “de todas as humanas criações, poucas são tão inúteis quanto o moralismo, visto que sua utilização somente pode ser feita num mundo de faz-de-conta, onde os velhos valores, que aliás, eram mais impostos que aceitos, lutavam para coexistir com os anseios das pessoas”.

Segundo Lima, “todo moralismo é uma forma dos velhos (não necessariamente os de certa idade cronológica, mas sim ideológica), tentarem de alguma forma exercer certa influência no mundo à sua volta, e como não tem um discurso, nem atos novos, que venham de alguma forma chamar a devida atenção, preferem se algemar aos valores retrógados dos tempos de Cabral, para se mostrarem presentes, e como sabem que um discurso e um ato novo chamam mais a atenção do aquilo que já passou, tratam de castrar tudo que venha a ser visto como uma ameaça, usando como desculpa o batido discurso de que fere os bons costumes e a moral”.

No meu ponto de vista, todo moralismo é uma ilusão que gera outras ilusões. Sendo ostensivamente exercido origina múltiplos sofrimentos. Semelhante ao daquelas pessoas que se entulham de produtos dietéticos, imaginando que nunca irão engordar. Se culpando posteriormente, quando a ficha cai, se é que cai para alguns, por terem permitido que a ignorância tivesse sido delas estrela-guia por tanto tempo.

Toda pessoa moralista é organicamente hipócrita. Primeiro, porque não saberá diferenciar jamais moralismo de moralização, tampouco distinguindo puritanismo do objetivo de ser puro. Segundo, por não entender bulhufas acerca da reflexão feita pelo acadêmico Valter da Rosa Borges, talento pernambucano: “Porque ainda somos cegos, tateamos deuses falsos. A bengala é falso guia. A fé devolve a visão e permite ver o mundo além do mundo trilhado pela bengala dos cegos”.

Ao casal de apatetados, que buscou levar vantagem financeira através de denúncia ridícula, o conselho de não mais se meter em briguinhas de adolescentes via chat. Nunca desatento ficando ao lamento do gaúcho Mário Quintana: “Ah, esses moralistas… Não há nada que empeste mais do que um desinfetante!” Ou à reflexão do menestrel baiano Raul Seixas, que aqui cai como uma luva: “há casais que já nascem póstumos”. Ainda que portadores de eiras e beiras.

(Publicada em 16.09.2010, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves