CENÁRIOS NOVOS, ENXERGÂNCIAS OUTRAS


Em época de transição, quando mudanças substanciais sempre de curtíssimas durações estão acontecendo em todos os quadrantes da sociedade mundial, o testemunho do ex-ministro Antônio Delfim Neto, uma inteligência reconhecidamente privilegiada, embora quilômetros distanciada dos ideários progressistas, foi classificada recentemente como por demais cristalina, um baita cala-boca nos políticos perdedores brasileiros que estiveram, pelo Velho Mundo, fuxicando ou se passando por vítima de um regime tido por eles como muito pouco democrático, todos eles carecas de saber que estão conscientes da hipocrisia encenada: “Após conviver, nestes últimos dois anos, com uma conjuntura extremamente adversa nos negócios mundiais, o governo Lula se aproxima do final de seu segundo mandato com índices de desenvolvimento material (produção, consumo e emprego em alta) e de progresso social (redução da pobreza e da desigualdade) invejados pela comunidade das nações, a maioria das quais ainda não se livrou dos malefícios trazidos pela crise”.

O depoimento do ex-ministro todo poderoso do regime militar se encontra muitos pontos acima das lamentações udenísticas do candidato perdedor à presidência da República, por ocasião de visita ao Congresso Nacional, de pronunciamentos sempre inundados de muito mofo nostálgico. Lamentações que ratificam uma antiga “lei” ideológica: todo aquele que começa sua caminhada política à esquerda e descamba posteriormente para a direita é parte integrante de uma espécie extremamente daninha, raivosamente direitosa, facistóide até, mesquinha e hipócrita por derradeiro. Pois, já tendo no passado trilhado os caminhos erigidos pela ala progressista, sabe muito bem melhor implementar com mais operacionalidade as estratégias reacionárias que impossibilitam a concretização das reivindicações populares.

Um pensamento que bem reflete os preconceitos de uma elite quatrocentona paulista, ariana e nostálgica, avessa à ascensão dos não-brancos aos usufrutos proporcionados pela cidadania e o mercado de bens e serviços e de trabalho, me foi entregue, dias atrás, pelo professor Reginaldo Seixas Fonteles, um dos ilustres integrantes do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco. Inserida no livro A Reinvenção do Mundo, de Jean-Claude Guillebaud, Bertrand Brasil 2003, é de autoria de George Bataille (1897 – 1962), escritor francês que se preocupava com tudo que se fechasse aos ditames da razão. Diz o seguinte: “Eu gostaria de ajudar meus semelhantes a se habituarem à ideia de que a reflexão é um movimento aberto. Um movimento que nada tem a dissimular, que nada tem a temer. Mas, na verdade, os resultados do pensamento estão estranhamente sujeito à competição e às suas provas. Ninguém consegue desligar completamente o que pensa da autoridade real que a expressão deste pensamento virá a ter. E esta autoridade se adquire no decurso dos jogos, cujas regras tradicionais, um tanto arbitrárias, comprometem aquele que se expressa a fazer crer que seu pensamento é uma operação definitiva e sem falhas. É uma comédia bastante desculpável, mas ela isola o pensamento em revoada de pássaros que nada mais têm a ver com uma caminhada real, necessariamente dolorosa e aberta, sempre em busca de ajuda e jamais de admiração”.

Atualmente, e o alerta se destina a todos os setores da sociedade, civis, militares, políticos, acadêmicos e religiosos: a grande maioria de tais segmentos societários se encontra tragicamente distanciada de um lastro cultural humanístico capaz de melhor especular sobre a atual situação global. Em função da embriaguês proporcionada pelo fascínio de uma tecnociência que se desenvolve a passos gigantescos, sem um mínimo espírito crítico. E que está levando ao esquecimento, segundo Paulo Valéry, as duas maiores invenções da humanidade: o passado e o futuro.

Como será o desenvolvimento do pensar dos jovens nessa atual era digital, evolucionária ao extremo, que celeremente dispensa o destino social e o prazer da convivência? Como se tudo se baseasse numa contagiante anosognosia, que é a incapacidade ou o não reconhecimento de assumir nossas ignorâncias, ensejando que a internet nos possibilite a socialização virtual do mundo, sem mais as injunções ideológicas dos adultos. Nem as lições filosóficas emanadas, e ainda válidas, dos situados nos ontens históricos.

A denúncia grave advém do sociólogo Francisco Oliveira, nestes tempos pós-modernos: “Todos sabem de tudo instantaneamente, mas não podem intervir nem modificar o curso do tempo e das coisas. Fomos transformados em seres passivos, à espera da enorme águia que nos devore o fígado”. Tal e qual aconteceu da história mítica de Prometeu.
PS. A bandidagem organizada do Rio de Janeiro, afetando a imagem do país no exterior, somente será erradicada quando a população souber diferenciar mais conscientemente os bandidos que infestam nossa sociedade, pondo atrás das grades inclusive os que pululam no Congresso Nacional e em outros ambientes, também legislativos e judiciários. E da Segurança Pública.

(Publicada em 25.11.2010, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves