CATEGORIA ABJETA


Dias atrás, um carioca ganhou sozinho um montão de milhões de reais na Mega-Sena. Eu estava no aeroporto esperando um amigo de vida acadêmica na PUC-RJ, quando testemunhei um rápido diálogo entre dois funcionários terceirizados. Mais ou menos assim: – Visse, um cara do Rio ganhou sozinho a Mega!! Resposta despeitada do outro: – Tomara que ele se flôda!!. Sem o “l” naturalmente, aqui incluso em respeito pleno à escrupulosa ética editorial deste portal.
Quando me deparo com uma personalidade invejosa – leiga ou religiosa – recordo-me de uma historinha contada pelo Rubem Alves, psicanalista de mão cheia, teólogo, poeta, escritor e o escambau, reproduzida no seu livro Sobre Demônios e Pecados, editora Verus, lançado no final do primeiro semestre. O seguinte assim se passou:
“Um homem achou uma linda garrafa verde, com uma tampa vermelha, jogada em meio a um monte de trapos tidos como imprestáveis. Curioso,pegou a garrafa e a destampou. Foi um susto. Um gênio estava fechado dentro dela, e bastou que a tampa fosse tirada para que ele saísse. Ele se curvou diante do homem e disse: – Agora sou seu escravo. Tenho poder para fazer qualquer coisa. Posso dar-lhe alegria pelo resto dos seus dias. Faça o seu pedido!!
O homem achou melhor pensar bem. Os desejos desfilaram diante de seus olhos: lindas mulheres, viagens por todo mundo, banquetes, concertos. A felicidade estava garantida. Mas aí o gênio o interrompeu: – Há apenas um detalhe sem importância, porque a realização dos seus desejos é mais que suficiente para que a sua felicidade se realize. E isso eu garanto.
– Mas qual é esse detalhe?, perguntou o homem.
– O detalhe é que todos os pedidos que você fizer, seu inimigo receberá em dobro.
O homem parou, contemplou a dupla felicidade de seu pior inimigo, e falou: – Já sei o que vou pedir! Me fure um olho!!!
Assim é o trabalho da inveja.”
Todo invejoso não se alegra com a vitória dos outros. O seu maior prazer é comemorar a derrocada dos demais, se possível irreversivelmente. Quer ter muito dinheiro em comunidade de lascados. Detestam os corpos bonitos e sempre mantém os olhos enviesados sobre as manifestações de alegria e bem-estar.
É nas denominações religiosas onde se escondem os mais invejosos da história da humanidade. Avaliem, por exemplo, a declaração abaixo do Santo Ofício, emitida em 19 de fevereiro de 1616:
“Que o Sol é o centro do mundo e está completamente isento de qualquer movimento é tolo e absurdo em filosofia, além de formalmente herético, na medida em que contradiz expressamente a doutrina da Escritura Sagrada em diversas passagens, tanto em seu significado literal quanto de acordo com a interpretação dos padrões e dos doutores”.
Os “iluminados” que redigiram e assinaram a declaração propalada tiveram seus nomes rapidamente enjeitados pela História, quando invejosamente menosprezaram as análises de Galileu Galilei, que revolucionou o mundo científico da época. E a inveja deles mais se agigantou quando foi divulgada, meses antes, uma declaração de Galileu que qualquer mente sã endossaria: “Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sensibilidade, razão e intelecto pretendia que limitássemos seu uso”.
Contemporaneamente, o fundamentalismo irracional que se dissemina entre as instituições religiosas é consequência de duas grandes vertentes: a inveja pela inteligência evolucionária das gerações científicas mais jovens e uma gritante ausência de humildade diante das descobertas recentes, ainda multiplamente nanométricas diante dos insondáveis mistérios cósmicos.
Não tenho simpatia alguma pelos adjetivos que são apostos a algumas funções: meretíssimo, magnífico, santidade, entre tantos outros. Que somente fazem destilar níveis bajulatórios altamente contaminados por taludas pitadas de inveja.
Uma excelente vacina contra a inveja é lutar sem esmorecimento por um mundo onde a liberdade de pensamento seja a maior possível, onde exista mais padarias que pet-shops, aqueles centros que cuidam dos bichinhos às vezes mais bem tratados que os seres humanos carentes de pão, amor e solidariedade.
Todo invejoso é um frívolo estupidificante incapaz de separar o joio do trigo. Tal e qual o Senado Federal, onde amorais defendem amorais, num corporativismo nauseabundo que ainda não recebeu exemplares punições comunitárias.
PS. No dia 19 de agosto de 2009, o Conselho de Ética do Senado Federal tornou-se pusilânime. Data propícia para se comemorar o Dia Nacional do Senado Obrado, aqui lançando mão do verbo utlizado pelo senador Collor, em escatológico pronunciamento.