CARTAS DA HUMANIDADE


Quem deseja ler cartas famosas dos últimos cinco mil anos da humanidade, desde o texto de Zaratustra revelando a escolha exemplar que aconteceu no começo do mundo, escrito por volta de 6.000 a.C., até a carta aberta ao povo de Illinois, redigida por Barack Obama em 1º de novembro de 2008, após vencer Hilary Clinton na convenção do partido, em 28 de agosto daquele ano, não deve perder a oportunidade de manusear Cartas da Humanidade, compilação e tradução de Márcio Borges, SP, Geração Editorial, 2014.

No livro, dentre as 141 editadas, duas cartas são conhecidas só de ouvi dizer pela quase totalidade do Povo Brasileiro. A primeira, a enviada por Pedro Vaz de Caminha ao El Rei D. Manuel, como escrivão da armada de Cabral, escrita de um aclamado porto seguro de uma ilha denominada de Vera Cruz, numa sexta-feira, primeiro de maio de 1500. Ou a carta-testamento de Getúlio Vargas, redigida na madrugada de 24 de agosto de 1954, momentos antes de suicidar-se com um tiro no coração. Uma carta lida inúmeras vezes pelo ex-presidente Lula, segundo informações colhidas de fontes dele muito próximas.

A publicação da Geração Editorial intitulada Cartas da Humanidade foi trabalho hercúleo do pesquisador Márcio Borges, parceiro inicial de Milton Nascimento, também fundador do célebre Clube da Esquina, movimento musical surgido da amizade entre Milton Nascimento e os irmãos Borges (Marilto, Márcio e Lô), no bairro de Santa Tereza, Belo Horizonte, Minas Gerais.

Cartas da Humanidade contem documentos relacionados com religiões, artes, ciências, romances célebres, declarações de grandes reis, estadistas e presidentes, conflitos, intrigas palacianas, prenúncios de golpes de estado e guerras, frases preconceituosas e outras tantas curiosidades. Um livro precioso para quem ama guardar documentos que sempre terão ressonância no interior de cada um.

Nas Cartas vão desfilando reis antigos e suas guerras, disputas, rivalidades, inimizades e preconceitos, envolvendo figuras que estiveram próximas a intrigas palacianas que mudaram a história e personagens que colaboraram muito para a história da arte. Algumas delas contêm temas religiosos, como as cartas do infeliz casal de amantes sacrificados pela religião, o padre Abelardo e a freira Heloísa, a única epístola de São Tiago a ele atribuída, além do testamento de São Francisco.

As Cartas também passam por muitos nomes célebres da filosofia e da ciência, como Locke, Copérnico, Spinoza e Galileu. E passam igualmente pelo mundo das artes. Vamos encontrar, neste tópico, o trágico amor de Oscar Wilde pelo jovem Alfred Douglas, que o levou aos tribunais e o baniu da Inglaterra, expresso numa carta; uma carta atormentada do grande poeta Fernando Pessoa a seu amigo, também poeta, Mário de Sá-Carneiro, que se suicidou; uma carta do escritor negro americano James Baldwin atacando o racismo norte-americano; uma carta de William Faulkner pedindo desculpas a Hemingway por uma grosseria que cometeu; uma longa carta de William Burroughs falando de suas experiências com todo tipo de drogas perigosas; uma carta do dramaturgo Henry Miller para sua mulher, a lendária Marilyn Monroe; uma mensagem de Marlon Brando, enviada na pessoa de uma índia, não indo pessoalmente buscar seu Oscar por “O poderoso chefão”, preferindo mandá-la para atacar o genocídio dos indígenas norte-americanos; cartas do cineasta Pasolini a Godard e de homenagem de Jeanne Moreau a Orson Welles, entre tantas outras.

Escolhi como emblemáticos alguns Provérbios Babilônicos da Biblioteca de Assurbanipal (600 a.C.), um rei que amava os estudos, tendo colecionado uma gigantesca biblioteca de tabuletas de barro com escrita cuneiforme, mais de 22 mil. Ei-los: Escrever é a mãe da eloquência e o pai dos artistas; Amizade é para o dia de dificuldade; posteridade, para o futuro; Não executarás ato hostil, para que o medo de vingança não te consuma; Ele é completamente bom, mas está vestido com escuridão; Se vais e tomas o campo de um inimigo, ele virá e tomará teu campo; Não farás mal, para que alcances a vida eterna.

Finalmente, para ampliar a cidadanização do mundo contemporâneo, aviltada ao extremo pelos assassinatos acontecidos sob múltiplas formas, elegi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional da França em agosto de 1789, testemunhada por Thomas Jefferson, então embaixador da república norte-americana em Paris, cujo prefácio cai perfeitamente como uma luva na atual situação brasileira, eivada de múltiplas corrupções, cinismos, fingimentos, burocratismos, demagogias, nepotismos e incompetências: “Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolvem declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituinte e à felicidade geral.”

Um preâmbulo que ainda passa desapercebido pelas mentes dos Cunhas, Dilmas, Calheiros, Cardozos, Aécios, Delcídios e outros dinossauros políticos, que teimam em não enxergar os nossos atuais terríveis horizontes futuros.

(Publicado em 30.11.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com/sempreamatutar)
Fernando Antônio Gonçalves