CANECA PARA PERNAMBUCO


Na livraria Imperatriz, do Shopping Tacaruna, onde me refugio algumas horas por mês, fui beneficiado, semana passada, juntamente com o professor Ivo Dantas, velho amigo da Casa do Tenório, com uma alegria cinco estrelas: a aquisição do oportuno trabalho organizado por Evaldo Cabral de Mello, intitulado Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, contendo os escritos políticos do pernambucano que tinha “aquilo” muito roxo, as cartas de Pítia a Damião, a coleção completa do Typhis Pernambucano, o itinerário de Caneca até Ceará Grande e o processo que o levou ao arcabuzamento, em 13 de janeiro de 1825.
Integrando a coleção Formadores do Brasil, da editora 34, o volume ainda traz uma muito esclarecedora Introdução do próprio Evaldo Cabral de Mello, onde ele recupera a trajetória do religioso, que era intelectualmente super dotado e acima de tudo arretadamente independente. Um texto que ressalta um homem que nutria intenso desejo de autonomia para seu rincão natal, iniciando sua ação política já em 1817, quando foi preso pela vez primeira. Prova das convicções nutridas por Caneca, se encontra na sua dissertação sobre “o que se deve entender por pátria do cidadão e deveres deste para com a mesma pátria”.
Os textos de Caneca deveriam ser lido e relido pelos que desejam enfrentar os que se locupletam desavergonhadamente do erário público. São escritos de muita coragem, numa bravura cívica que levou outro perambucano, João Cabral de Melo Neto, a imortalizar o episódio da sua execução no Auto do Frade.
De parabéns Evaldo Cabral de Mello pelas estupendas organização e Introdução, a editora 34, o Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura, e o bauco BBA, patrocinador da publicação.
Acho muito curioso o fato de uma figura como Frei Caneca ser tão pouco enaltecida em época de um pouco mais de democracia como a atual. Parece até que os democratas daqui apenas enaltecem as idéias de Caneca quando é para aclarar a escuridão ditatorial, calando-se omissamente a partir de qualquer luminosidade mínima. Talvez com receio de ver muita luz multiplicando fazedores de opinião.
Do carmelita desassombrado, reproduzo alguns dos seus pensamentos, encarecendo dois-mil-réis de reflexão dos ainda não agredidos pelo idioticu vírus do liberaloidismo planaltino: 1. “De ordinário, combate-se o despotismo, porque está nas mãos dos outros; em chegando às nossas, tudo nos é lícito, tudo podemos, e levamos a rojões quanto se opõe ao furor dos nossos afetos e ao nosso ponto de honra”; 2. “É detestável a máxima da obediência cega do soldado em todas e quaisquer circunstâncias”; 3. “Idéias velhas não podem reger o mundo novo””; 4. “Quem será tão estúpido, que não enxergue aqui a trama do ministério para nos enfraquecer?”; 5. “Nós queremos uma constituição que afiance e sustente a nossa independência, a união das províncias e integridade do império, a liberdade política, a igualdade civil, e todos os direitos inalienáveis do homem em sociedade”.
Frei Caneca, um respeitador da roxidão do seu aquilo. Seus posicionamentos deveriam servir de alerta para todos, filhos de trabalhadores e filhos de generais, as descendentes de Tejucupapo, os filhos dos que não souberam ficar de quatro, os realmente solidários com os despossuídos e os que desejam amar um Brasil soberano, altaneiro e socialmente justo. Um Brasil acima de tudo.