CAMINHOS DA CIDADANIA


De repente, acordos eleitoreiros descalibrados parecem entorpecer a esperança num futuro menos avacalhado da área política brasileira. A juventude, cada vez mais individualista, afasta-se das atividades partidárias, imaginando o Congresso Nacional como uma grande cloaca, onde vegetam ignominiosos bípedes auto-denominados de representantes do povo, com as exceções honrosas que ainda teimam em lá travar o bom combate. Uma juventude que ainda não percebeu que somente com a ampliação da cidadania estancaremos a atual purulência política dos eleitores que se comportam com vilania na votação, favorecendo a perpetuação de crápulas nas mais variadas agremiações.

Recomendaria entusiasmado, para quem deseja ser eleitor-sementeiro, a leitura de uma recente publicação editada pela Fundação Getúlio Vargas. Caminhos da Cidadania foi organizada por um talento feminino, Alzira Alves de Abreu, PhD em sociologia pela Universidade de Paris V – Sorbonne, atualmente pesquisadora do CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do Brasil da FGV. Também autora da Introdução – O que é cidadania e o que é ser cidadão? -, define como cidadão “todo indivíduo que goza dos direitos civis e políticos de um Estado e cumpre seus deveres como membro desse Estado”, ressaltando que “é importante lembrar que hoje existem certos direitos que nem as leis nem as autoridades públicas podem contrariar”. Direitos que estão consagrados da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948.

Segundo a Dra. Abreu, a cidadania impõe deveres: o de participar da vida coletiva no sindicato, no partido político, na comunidade, nas associações diversas, nas esferas municipais, estaduais e federal; o de solidarizar-se com os injustiçados; o de contribuir com o desenvolvimento da cidade, do estado e do país, colaborando na superação dos problemas sociais, na medida das possibilidades de cada um; o de respeitar as leis, o de pagar impostos, o de prestar serviço militar; e de pelejar pela edificação de um mundo fundado nos valores da justiça e da paz.

Dentre os ensaios, iniciados pelo Constituição Constituições, de autoria de Joaquim Falcão, uma inteligência pernambucana PhD em Educação pela Universidade de Genebra e ex-companheiro de batente na Fundação Joaquim Nabuco, três chamam a atenção. O primeiro, Atribuições do Ministério Público, ferramentas da cidadania, é da lavra do procurador de justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro Carlos Roberto Jatahy. O texto explicita a importância que tem para a atual conjuntura histórica brasileira o Ministério Público, entidade odiada pelos trombadinhas de paletó e gravata que se imaginam, na Administração Pública, superiores a tudo e a todos, sentindo-se impuníveis nos assaltos cometidos ao erário público. A partir da Constituição Cidadã de 1988, ao Ministério Público foi assegurada autonomia funcional e administrativa, com plena liberdade para se organizar administrativamente, estabelecendo sua própria estrutura orgânico-funcional, sem qualquer restrição.

O segundo ensaio que chamou atenção é da autoria de Luís Carlos Merege, professor-titular da Eaesp/FGV, um dos fundadores do CETS-Centro de Estudos do Terceiro Setor, autor do conceituado livro Terceiro Setor: A Arte de Administrar Sonhos, editado em 2009. Este segmento, segundo Merege, é constituído por organizações criadas por iniciativas privadas que geram bens e serviços de caráter público. Um setor que é composto por “a) organizações estruturadas; b) localizadas fora do aparato formal do Estado; c) que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com suas atividades entre seus diretores ou entre um conjunto de acionistas; d) autogovernadas; e) envolvendo indivíduos num significativo esforço voluntário”. Um ensaio que também explicita o pensar dos teóricos da economia social: “uma oportunidade para mudar os princípios rígidos do capitalismo, constituindo-se no embrião de uma nova ordem, a democracia econômica, na qual não deve prevalecer a ideologia do lucro sobre o atendimento das pessoas ou sobre a comunidade”.

O terceiro ensaio, o que certamente provocará maiores debates, intitula-se A Mídia no Brasil: Coparticipante na Construção da Cidadania. De autoria da própria organizadora Alzira Alves de Abreu, ele analisa de que modo a mídia – jornais, revistas, rádios, televisão, livros, filmes, discos, painéis eletrônicos, internet, etc – vem influenciando as transformações e as atuações dos diferenciados atores sociais, favorecendo a emersão de outras formas de pensar, ora para domesticar, ora para libertações de mentes e corações.

A parte final do volume traz uma cronologia dos principais acontecimentos do Brasil republicano, 1889 a 2009. Um oportuno guia para uma melhor conscientização acerca do caminhar nacional, a favorecer uma cidadania historicamente evolucionária.

(Portal da Revista ALGOMAIS, 02/08/2010, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves