CAÇADORA DE RATOS


Por incrível que possa parecer, às vésperas de ocupar um lugar de destaque entre os maiores PIBs mundiais, o nível de corrupção no Brasil parece aumentar a cada ano. Os escândalos que se sucedem nas várias esferas do governo deixam as pessoas perplexas e profundamente decepcionadas com os poderes públicos. Algumas ações da Polícia Federal tentam coibir e impedir que a corrupção se alastre. No entanto, os envolvidos nesses crimes, quando condenados, cumprem mínimas penas, muitas vezes com regalias descabidas. Ou tomam posse no Senado Federal, ao lado de filhote que macaqueava, substituto mais que perfeito da Chita de Tarzan recém falecida, como que a zombar do mundo inteiro pela covardia de não haver punido quem merecia estar exemplarmente encarcerado.

Apoio com todo entusiasmo a Nota da OAB, emitida pelo seu presidente Ophir Cavalcante em defesa do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, atualmente sob o comando da Ministra Eliana Calmon, nacionalmente aplaudida como Caçadora de Ratos, dada sua missão de investigar as bandalheiras e maracutaias acontecidas no Poder Judiciário Brasileiro, contribuindo decisivamente para o seu gradativo aprimoramento ético-analítico.

Na sua Nota, a OAB identifica o Conselho Nacional de Justiça como “uma instituição republicana, cuja existência tem contribuído para o aperfeiçoamento do Judiciário brasileiro”. E que “a Constituição Federal, ao instituir o CNJ, atribuiu ao órgão competência plena para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (parágrafo 4o, art. 103-B) sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais (inciso III, parágrado 4º., art. 103)”. E enfatiza ainda que “o CNJ não é mera instância recursal às decisões das corregedorias regionais de Justiça sendo clara a sua competência concorrente com a dos Tribunais para apuração de infrações disciplinares”.

Ressalta ainda a Nota da OAB que “a República é o regime das responsabilidades. Os excessos e desvios praticados deverão ser apurados respeitando o devido processo legal. Nenhuma autoridade está imune à verificação da correção de seus atos, dai porque é fundamental que para além de preservar a competência concorrente do CNJ para apurar desvios éticos, em respeito ao cidadão brasileiro, sejam apurados todos e quaisquer recebimentos de valores por parte de Magistrados, explicando-se à sociedade de onde provêm e a razão por que foram pagos”.

O desassombrado jornalista Alberto Dines, em texto recente publicado no Diário de São Paulo, edição 673, intitulado O Réveillon das Togas Iluminadas, classifica o ano de 2012 como o Ano de Eliana Calmon Alves. Segundo ele, “a bateria de holofotes acesa pela juíza desde setembro, quando assumiu o cargo, é tão luminosa e promissora como a galáxia de esperanças acesa pelos fogos de artifício nos festejos do início de cada ano novo. Pela primeira vez em seus 511 anos de história e 189 de vida institucional, a nação brasileira tem a oportunidade de assistir à espetacular tomografia do edifício de privilégios e regalias no qual vivemos, construído em grande parte com a argamassa da injustiça”. Holofotes que combaterão os “osfolotes” daquelas vestais que se imaginam acima da lei e da ordem, larapiamente se locupletando do erário público, cinicamente se postando como imaculadas virgens, embora expelidoras de odores prá lá de nauseabundos.

A editora da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2008, publicou Corrupção – Ensaios e Críticas, coletânea de textos curtos e objetivos, onde a Introdução destaca que “a história recente brasileira, particularmente depois da Constituição de 1988, mostra que a redemocratização do país tornou visíveis fatos que antes não chegavam ao conhecimento da opinião pública, mas não evitou que o fenômeno se repetisse. As evidências de que a corrupção está longe de ser um acontecimento marginal no interior da vida pública se acumulam”.

Na coletânea acima citada, há um mini-ensaio do historiador Evaldo Cabral de Mello, Pernambuco no Período Colonial, onde ele ressalta algumas falcatruas de governadores, magistrados e altos funcionários, inclusive de Jerônimo de Mendonça Furtado, deposto em 1666 pela Câmara de Olinda, que recunhava moedas de ouro e prata em sua própria residência, “contando com a ajuda de seus criados, empregando marcas que mandou especialmenre fundir”. E as bandidagens começavam logo após as nomeações, diz Cabral de Mello: “À partida para o Brasil, governadores e magistrados entravam em parcerias com mercadores de Lisboa ou do Porto, que se obrigavam a adiantar quantidade certa de produtos a serem comercializados localmente pelas autoridades contra o pagamento de juros de 4 a 6%”. Houve até um Secretário de Governo de Pernambuco, de nome Antônio Barbosa de Lima, que aconselhava governadores, no final do século 17, “a preservar as aparências, não aceitando presente algum de quem quer que fosse, exceto bagatelas de amigos, de maneira a fazer o seu negócio com segredos e com cautela”.

O livro Corrupção – Ensaios e Críticas deveria ser lido por todos aqueles que se envergonham dos taludos ratos públicos das três esferas de governo brasileiro, que sempre buscam criminosamente ratificar o pensar de Charles de Gaulle, quando proclamou, um dia, que o Brasil não era um país sério.

PS. Breve detalharei um descaso do TJPE, que há mais de vinte anos procrastina desavergonhadamente execução de decisão indenizatória em favor de uma senhora que teve bens desaparecidos causados por uma transportadora cearense de pouca ética e muita “bolação”.

(Publicada em 02/01/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves