BRASIL, SEXO E FRICOTES


No passado, muitas relações a dois eram efetivadas no meio do mato, porque chave era artigo de luxo, sendo quase impossível fechar as portas à curiosidade alheia e aos ouvidos mais atentos. As mulheres levantavam saias e os homens arriavam calças e ceroulas, expressamente proibida a nudez completa.

No século XIX, os homens ficavam enlouquecidos com os pés das mulheres, os mais cobiçados sendo os menos lavados, que exalavam cheirinhos especiais. A parte menos erótica do corpo feminino era os seios, tendo eles uma única função, a de alimentar os filhotes.

Aos meninos eram narrados casos tenebrosos de cegueira e loucura, além de pelos nas mãos e intensas câimbras, por práticas masturbatórias. A área feminina nem sequer era mencionada, embora já existissem encenações disfarçadas em trejeitos vários.

Quem desejar conhecer mais fatos íntimos da nossa história, o livro da pesquisadora Mary del Priori, pós-doutorada na École des Hautes em Sciences Sociales de Paris, é pra lá de recomendável. Intitula-se Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasi, editora Planeta, 2011.

No prefácio de Moacir Scliar – talvez um dos seus últimos, de janeiro 2011, eternizado no mês seguinte -, ele ressalta que “há diferentes maneiras de fazer história”, onde “o historiador pode listar exaustivamente nomes, datas, lugares; ou pode, sem esquecer o aspecto factual, buscar o lado humano dos acontecimentos. A este último grupo pertence Mary del Priore, que ocupa extraordinário destaque na historiografia contemporânea, resultado de sua brilhante trajetória”.

No livro, destaque é dado ao imperador Pedro I, auto-apelidado Demonão, cujo apetite sexual era descomunal, não desconhecendo limites diante dos maridos das mulheres desejadas. E cujas cartas enviadas continham mensagens explícitas, como “um beijo na minha coisa”, havendo uma delas, exposta no Museu Imperial, que contém um desenho do próprio imperador, do seu pinto real ejaculando em louvor de uma determinada amante. O nosso imperador-barrão tinha uma prole numerosa de “nascidos do outro lado dos lençóis”, eufemismo empregado à época para designar bastardia.

Segundo Del Priori, “o médico dr. Lassance Cunha afirmava que a capital do Império tinha três classes de meretrizes: as aristocráticas ou de sobrado, as de ‘sobradinho’ ou de rótula, e as da escória”. Segundo ele, desembarcou nessa época, no Brasil, a palavra “trottoir”, trazida por francesas, em grupos de dez ou doze, que se encantavam com as praias do Rio, após a inauguração do Alcazar Francês, em 1862.

Com uma coragem que, às vezes, até surpreende, Del Priore nos mostra os bastidores eróticos da história brasileira, começando pelos anos coloniais, pelo hipócrita século XIX, analisando o XX e desembocando no atual. Ela aborda diferenciados assuntos: relação entre colonizadores e colonizados, a nudez e o pudor, os afrodisíacos, as repressões inquisitoriais, a homoafetividade, a prostituição, o uso da lingerie, o teatro de revista, a educação sexual, a folia de momo, a pedofilia, a pílula anticoncepcional, a revolução sexual, a erotização publicitária, o movimento feminista, a censura moralista e pudica.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 01.06.2011)
Fernando Antônio Gonçalves