BINOCULIZAÇÕES DE APRENDIZ


Através de um bilhete colocado na minha caixa de mensagem, no Centro de Ciências Sociai Aplicadas da UFPE, Departamento de Administração, onde o Chico da Secretaria e o professor Jairo Dornelas são duas admirações fraternais, tomo conhecimento de uma curiosa indagação de aluno concluinte: “Às vésperas da conclusão em um curso superior, que binoculizações poderiam ser ofertadas, favorecendo uma profissionalidade cidadã desprovida de ingenuidades e alienações primárias? Confesso que estou meio assustado com a bandalheira e os jeitinhos brasileiros que desmoralizam os cenários nacionais? Não sou moralista nem puritano, mas não me conformo com a imagem do Brasil no exterior, onde estive recentemente: um país de mais corrutos que honestos, mais desbundes que solidariedades, mais fingimentos políticos que propósitos saneadores, onde não se distingue muitas vezes quem é da lei e quem é bandido, os dois lados muitas vezes vestindo farda, batina, toga, jaleco, paletó e macacão. Encareço-lhe algumas orientações para os meus amanhãs existenciais. Inclusive algumas leituras binoculares. Atenciosamente, CLMT”.

Caríssimo jovem: o que eu poderia dizer para um estudante que está concluindo um curso superior se resume em algumas apreensões que sinto diante das leituras de jornais, revistas e poucos livros de cabeceira. Espero que você aproveite as linhas abaixo, sempre se ojerizando dos puritanos e moralistas da atual conjuntura mundial, duas raças que enojam a Criação.

1. Na sua vida profissional, carregue sempre nas suas anotações três reflexões. A primeira é de Alexis Carrel, cirurgião francês, prêmio Nobel de medicina: “A inteligência é quase inútil para quem não tem outras qualidades”. A segunda é de Albert Einstein, outro prêmio Nobel (Física), para quem “o primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma”. E a terceira é do criador do detetive famoso Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle, cujos livros muito me encantam até os dias de agora: “A mediocridade não conhece nada melhor que ela mesma, mas o talento reconhece instantaneamente o gênio”. Se você refletir bem sobre as três reflexões acima, perceberá ilações amplamente convergentes. Seus autores detestavam os sabe-tudos empavonados que se imaginam acima do bem e do mal, sem reconhecerem os de inteligência superior às deles, imaginando-se tampas-de-foguete diante do mundo. Sempre tá-lentos, nunca sabem diferenciar talento e genialidade: os primeiros atingindo as metas além dos outros, os segundos binoculizando metas que ou demais ainda não conseguiram ver.

2. Siga, como liderança empreendedora, a lição oferecida pelo governador Eduardo Campos por ocasião de palestra por ele pronunciada, recentemente, no Rio Grande do Norte, num seminário sobre Gestão Pública: “O que faz uma gestão ter apoio político não é a habilidade do governante nem a compreensão dos aliados. Uma administração é bem ou mal sucedida se a equipe que a conduz for bem escolhida e se a ação que desenvolve for focada em objetivos claros para construir melhoria na vida das pessoas”. E ele conhece mais que ninguém a lição deixada por Saramago, eternizado há pouco mais de um ano: “Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo”. Ele preparado, com as duas mãos e o sentimento dos pernambucanos, para novos desafios em 2014.

3. Leia, entendendo além do que está nas linhas expostas. E lembre-se sempre que nenhuma instituição ensina sucesso, posto que a chave para o sucesso está na sua maneira de pensar, com os olhos para os amanhãs, os ontens apenas servindo para não mais repetir certos encaminhamentos frustrantes. Nunca se olvide da reflexão de Galileu Galilei, um que quase se lasca nas unhas de uma Inquisição que nada tem de santa: “Não se pode ensinar nada a um homem; só é possível ajudá-lo a encontrar a coisa dentro de si”.

4. Nunca se esqueça de que, na história do pensamento humano, todas as ideias foram consideradas faróis quiçá definitivos, quando elas apenas refletiam uma periodicidade, decompondo-se quando a inventividade criativa da humanidade as substituía por outras também consideradas faróis, ainda que tão periódicas quanto as anteriores. E perceba, num século XXI ainda um tanto nebuloso, que as ciências não são estáticas, aproximando-se ou se reagrupando ao longo dos séculos. E para consolidar sua caminhada, nada como uma leitura bem pensada de um texto sobre os que moldaram a globalização dos tempos correntes: Sem Fronteira, de Nayan Chanda, editora Record, 2011. Onde traz uma grande advertência: “O ritmo cada vez mais acelerado das relações humanas, do comércio e das comunicações deu asas às doenças e abriu portas virtuais para criminosos e malfeitores tirarem vantagem das comunicações rápidas e fáceis de hoje. … Seria anti-histórico pensar que o resultado dessa velocidade sempre será bom”.

5. Sinta-se cotidianamente um aprendiz de tudo, uma metamorfose ambulante, como proclamava o menestrel baiano Raul Seixas, hoje na eternidade. E não deixe de ler o capítulo 6 – Por que (às vezes) o populismo é muito bom na prática, mas não na teoria – do livro Em defesa das Causas Perdidas, de Slavoj Zizek, Boitempo 2011, um dos mais notáveis filósofos políticos do nosso tempo. Que estimula os pensantes: “Para viver, para ser capaz de existir, a mente precisa ligar-se a algum tipo de ordem. Tem de apreender a realidade, como um todo independente […] e tem de prender-se, de forma estável, a certas características do que chamamos realidade”.

6. Seja sempre ecológico. E nunca esqueça, como Ortega y Gasset, espanhol e filósofo, que você é o que lhe cercando está. E se não preservar o seu derredor, logo com ele se findará.

(Publicada em 25.08.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves