BESTEIROL EM TEMPOS DE MOMO
Uma característica sempre presente nos tempos de Momo é o surgimento de incontáveis bobajadas, escritas, faladas e televisadas. Excluindo-se as aberrações explicitadas nas redações do Enem, da lavra de uma juventude que continua sendo vítima das estroinices de uma Educação Nacional repleta de mentiras modernosas, algumas pérolas foram selecionadas pelo jornalista Edson Athayde, do Diário de Lisboa. Uma amostra, para desopilação figadal: “Parece que ela foi morta pelo seu assassino”; “Ferido no joelho, ele perdeu a cabeça”; “Quatro hectares de trigo foram queimados, a princípio trata-se de um incêndio”; “O velho, antes de apertar o pescoço de sua mulher até a morte, suicidou-se”; “No corredor do hospital psiquiátrico, os doentes corriam feitos loucos”; “Ela contraiu a doença na época em que estava viva”; “O aumento do desemprego foi de 0% em novembro”; “Esta nova terapia traz esperanças a todos aqueles que morrem de câncer a cada ano”; “Apesar da meteorologia estar em greve, o tempo esfriou ontem intensamente”; “Um surdo mudo foi morto por um mal entendido”; “A vítima foi estrangulada por golpe de facão”; “Este ano, as festas de 4 de setembro coincidem exatamente com a data de 4 de setembro, que é a data exata, pois o 4 de setembro é um domingo”
Para completar a dose acima, outras besteiradas foram retiradas de registros oficiais de tribunais situados no além mar. Eis uma seleção que teria ótimo destaque no Equiness Book: “Foi este o mesmo nariz que você quebrou quando criança?”; “Então, doutor, não é verdade que quando uma pessoa morre durante o sono, na maioria dos casos ela o faz de maneira calma e não se dá conta de nada até a manhã seguinte?”; “Foi você ou seu irmão que morreu na guerra?”; “O filho mais jovem, o de 20 anos, quantos anos ele tem?”; “Você tem filhos ou coisa do gênero?”; “Vou lhe mostrar a Prova 3 e peço-lhe que se reconheça na foto. Você estava presente quando esta foto foi tirada?”; “Então, Sr. Johnson, como o seu casamento acabou? – Por morte. – E ele acabou pela morte de quem?”; “Há quanto tempo você está grávida? – Vai completar 3 meses no dia 8 de novembro. – Então, aparentemente, a data da concepção foi 8 de agosto. – Sim. – E o que você estava fazendo?”; “Sra. Jones, quantas vezes a sra. cometeu suicidio?”; “Ela tinha 3 filhos, certo? – Sim. – Quantos meninos? – Nenhum. – Tinha alguma menina?”; “Você não sabe o que era, nem com o que se parecia, mas você pode descrever?”; “Você disse que a escada descia para o porão. Essa escada, ela também subia?”; “O sr. está qualificado a apresentar uma amostra de urina? – Sim, desde criancinha.”
Assistindo alguns programas de televisão, recordo trecho de uma carta de Euclides da Cunha, reconhecendo sua gritante atualidade: “Estamos no período hilariante dos grandes homens-pulhas, dos Pachecos empavesados e dos Acácios triunfantes. Nunca se berrou tão convictamente tanta asneira sob o sol”. E avalio melhor a indignação do autor de Os Sertões, ao rememorar a notável Hannah Arendt, no seu livro Entre o Passado e o Futuro: “O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não poder ela abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição”.
Nós, repetidas vezes, ficamos muito ancorados num aprendizado efetivado no passado. E sentimo-nos bem fundeados sobre coisas que aprendemos quando moços, perdendo, por isso, o bonde da história. Porque o bonde sempre está em movimento e numa velocidade cada vez maior, a exigir continuadas reoxigenações.
Tenho sólida admiração pelos que possuem aquilo que Blaise Pascal definia como “esprit de finesse”. E que é diretamente proporcional ao asco sentido pelos que se imaginam muito acima das divindades, sócios de Deus, igualzinho aquele ajumentado entupido de reais que entrava nas igrejas de óculos escuros para Deus não lhe pedir autógrafo.
Depois da folia de Momo, observemos os caminhos já percorridos e rejeitemos os que não mais nos satisfazem. E verifiquemos as forças que nos restam, especialmente as que fundeiam a dignidade pátria, para que possamos ingressar num novo período, com o nível de besteirol em franco declínio. Inclusive em algumas “falcudades engana trouxas”.
(Portal da Globo Nordeste, 18.02.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves