BENTO XVI: ADMIRAÇÃO E PREOCUPAÇÃO
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 29-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O quinquênio passado é o de uma “Igreja do não” que, na onda dos chamados princípios inegociáveis estabelecidos por Bento XVI, impediu a reforma das leis sobre a reprodução assistida para permitir que uma mãe não dê a luz a um bebê já condenado inicialmente à morte, combateu uma lei sobre os casais de fato, proibiu as uniões gays, impediu a autodeterminação do paciente no testamento biológico. Temáticas às quais as gerações jovens são sensíveis.
O que não funciona no pontificado ratzingeriano? Franco Garelli, sociólogo católico que, a pedido da Conferência dos Bispos Italianos (CEI), realizou importantes investigações sobre a religiosidade na Itália, prefere partir de um dado positivo. “No caso dos abusos sexuais do clero – diz –, Bento XVI está projetando uma imagem de um chefe da Igreja que quer fazer limpeza, que não tem medo de cortes drásticos, que não se rende e que caça os culpados”.
Porém, esse é só um aspecto. No seu desenvolvimento, o quinquênio ratzingeriano mostrou oscilar em diversas direções. Esse Papa, explica, “gera admiração e preocupação, governa mais com os dossiês do que por meio de um espírito colegial, é o Pontífice da clareza doutrinal, da retomada da memória e da tradição, mas, ao mesmo tempo – enfatizando a exclusividade da fé cristã –, isola a Igreja, já que a propõe como portadora de uma única verdade e não a apresenta como ponto rumo às outras religiões e aos não crentes”.
Não para fazer comparações abstratas com o antecessor, mas quem observa o procedimento da Igreja não pode ignorar que “Wojtyla era um líder carismático, Ratzinger é mais teólogo. Wojtyla criava movimento, Ratzinger cria reflexividade. Em Wojtyla, o tradicionalismo era balanceado por sinais afetivos, Bento XVI é mais normativo, definitório, separado. Não produz envolvimento ou pelo menos não de maneira majoritária”.
Por fim – com exceção da batalha determinada contra a pedofilia –, a impressão é a de uma Igreja estática. Com uma característica específica: “Percebe-se uma fraqueza do governo institucional. Muitas vezes, mais do que o consenso, prevalece o obséquio”. E, acima de tudo, este “é um Papa impolítico”.
Se perguntarmos a Garelli quais são os problemas não resolvidos do Pontificado, ele elenca alguns: todos ligados à relação entre Igreja e sociedade. “A Igreja – defende – deve enfrentar finalmente a questão dos divorciados de segunda união. Depois do Concílio Vaticano II, é impensável não enfrentar esse tema no mundo contemporâneo”. É uma coisa, além disso, que todos os párocos sabem. Os que mais sofrem com a proibição de não receber a comunhão, que vale taxativamente para qualquer divorciado que se casou novamente (com exceção da arrogância de Berlusconi, para o qual sempre se encontra um prelado pronto a perdoá-lo), são justamente os católicos mais sinceros e mais comprometidos na vida eclesial.
Segunda questão, o celibato dos padres. Garelli, assim como muitos outros, rejeita totalmente qualquer conexão entre abusos sexuais e a castidade exigida ao clero. O problema não é esse. Trata-se, muito simplesmente, de que “o celibato dos sacerdotes deve ser voluntário”.
Em um plano mais geral, o sociólogo coloca o dedo sobre a verdadeira ferida do pontificado: a fracassada reforma do absolutismo monárquico da Igreja Católica. Reforma que, já com João XXIII estava amadurecida (e cuja ausência só era mascarada pelo ativismo wojtyliano e pelas novidades do seu pontificado) e que, com Bento XVI, está se manifestando sempre mais inadiável.
Garelli, não de hoje – e deixa isso claro toda vez que o convidam para participar dos grandes encontros da Igreja Italiana a cada 10 anos – é um convicto defensor da “colegialidade”, isto é, da participação dos bispos no governo da Igreja universal. E também convictamente afirma que o “laicado na Igreja deve participar verdadeiramente do projeto da missão pastoral e não servir só de apoio”.
“A colegialidade – destaca – tem um valor teológico e social. O cardeal Martini se referiu a ela muitas vezes como ponto qualificante. É necessário criar as condições para que haja circularidade de ideias na Igreja. É preciso prestar atenção nas situações diversas e é importante aceitar a unidade na diversidade. Assim como é necessário estimular os bispos a refletirem juntos”.
Ao mesmo tempo, é urgente superar a “afonia dos leigos”, isto é, a situação pela qual os fiéis nunca são consultados e chamados para projetar a nova evangelização. Culpa, certamente, também de muitos expoentes católicos que não abrem a boca, porque “tem menos coragem do que as gerações anteriores”, e, assim, o laicato católico na Itália se apresenta sempre “alinhado e coberto”. De fato, só o clero e a alta hierarquia falam, e a mídia, por sua vez, presta atenção só neles.
Porém, do corpo da Igreja surgem pedidos diversos. “Os fiéis – conta Garelli, que muitas vezes foi medir no campo o pulso do catolicismo italiano – pedem mais escuta e confiança. Gostariam de ter uma Igreja que saiba falar uma linguagem espiritual mais atenta às condições de vida e às razões humanas. Uma Igreja mais em busca, capaz de acompanhá-los nos seus episódios humanos, em vez de pronunciar verdades e definições”. E quando isso não ocorre? “Se não encontram respostas, fecham-se, calam ou vão para outros lugares”.
Certamente, não deve ser menosprezado o sinal dos tempos de um estilo de vida difundido que mira só o consumo, à ascensão social, ao hedonismo. “A cultura televisiva do ‘Big Brother’ – confessa Garelli – despotencializa qualquer compromisso religioso, político ou cultural, despotencializa direita e esquerda!”.
Pergunto-lhe, agora que inicia o sexto ano do Papa Ratzinger, qual é um outro ponto crítico do pontificado. Ele responde: “Pôr o centro de gravidade no Ocidente e prestar pouca atenção ao catolicismo mundial, que se nutre de culturas não ocidentais. Enquanto isso, de 2000 a 2008, as vocações na Europa caíram em mais 7%”.
Fonte:Instituto Humanitas Unisinos