BANDITISMO E IMPUNIDADE


Deste recanto semanal, envio meus calorosos aplausos para o pernambucano, também senador da República, Cristovam Buarque, pelo seu artigo Basta de fingir, publicado no Jornal do Commercio do dia 6 de junho próximo passado. Os dados por ele apresentados nos envergonham sobejamente. Vejamos alguns deles, aqui explicitados para os que não tiveram a oportunidade de se deter nas estatísticas apresentadas pelo senador Cristovam:

a. Enquanto somos o sétimo maior PIB do mundo, há quatro anos apresentando um “pibinho” humilhante, o nosso PIB per capita nos remete para a 54ª. posição no cenário mundial. E o nosso IDH – Índice de Desenvolvimento Humano nos coloca em 85º. lugar. E o senador arremata com plena lucidez: “fingimos ser ricos, apesar da pobreza”.

b. Nas últimas duas décadas, de 1,66 milhões universitários matriculados, ultrapassamos 7 milhões, embora 40% dos nossos estudantes de nível superior sabem ler mediocremente, a maioria distanciados dos raciocínios matemáticos, raros sendo os que conseguem falar um outro idioma além do português repleto de “discordâncias” gramaticais e estilos grotescos repletos de agressões aos raciocínios mais corriqueiros. E o senhor volta a bater conscientemente: “fingimos ser possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base”.

c. Na educação básica, de 36 milhões, em 1994, alcançamos 50 milhões, em 2014, sem atentar para a escabrosidade de termos 13 milhões de adultos ainda prisioneiros do analfabetismo. Que acompanha outro quantitativo humilhante: 54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o ensino fundamental e 70 milhões não concluíram o ensino médio.

d. Constatamos que inúmeras escolas passam meses sem aulas, paralisações excessivas e ausência de professores especializados nas disciplinas não oferecidas.

e. A partir de 1995, foi iniciado pelo senador Buarque um programa que serve de exemplo ao mundo inteiro. Atualmente chamado de Bolsa Família, que transfere por mês, em média, R$ 167 por pessoa pobre, assegurando R$ 5,67 por dia, valor imoralmente insuficiente para atenuar suas principais necessidades. E, segundo o senador, ainda se finge de que estamos erradicando a pobreza.

f. Fingimos ter 94,9 milhões na classe média, sabendo que a renda média mensal dessas está entre R$ 291 e R$ 1.019, valor insignificante para uma vida minimamente cômoda, mormente num país que não oferece educação e saúde públicas de qualidade.

g. Alegramo-nos com o aumento da frota de automóveis , de 18 milhões, em 1994, para 64,8 milhões, em 2014, proclamando que é resultante do progresso, ainda que significando engarrafamentos monumentais.

h. Desfizemos um regime ditatorial, olvidando que a nosso democracia brasileira está sem partidos, a política se transformando em descalabros administrativos e corrupção desvairada, o débil senso comum desejando redução da idade criminal, pena de morte e volta dos militares ao poder executivo. E o senador adverte: “assistimos 56 mil mortos pela violência ao ano, e fingimos ser um país pacífico, sem uma guerra civil em marcha”.

i. Fingimos ser um país com ambição de grandeza, mas ficamos inertes quando os governos menosprezam as críticas surgidas acerca da ineficiência dos serviços públicos, preferindo manifestar um otimismo ufanista, de mídia apologética regada a estupendas verbas publicitárias.

A comunidade brasileira ainda não sabe separar a ficção da realidade, aplaudidora na sua quase totalidade do testemunho de Ronaldo Nazário, apelidado capitalisticamente de Fenômeno, quando ele declara: “A Nike é uma empresa séria e honesta, que investe no Brasil mais por interesse em ajudar o esporte brasileiro que para ter lucro”. Uma ingenuidade equivalente àquela de se ir para um motel acompanhado de dois travestis, imaginando-os formosas mulheres capazes de satisfazer o pibinho de qualquer fenômeno.

Reproduzo, ratificando sem pestanejar, o comentário feito pelo jornalista José Arbex Jr., na Caros Amigos 206, de maio último: “Num mundo em que a crise do capital faz aumentar a miséria, em que quase um bilhão de seres humanos passam fome e em que as grandes cidades, repletas de ‘refugiados’ internos e externos mais se assemelham a imensas panelas de pressão, as UPPs surgem como experimentos de vanguarda, um produto pronto e excelente para exportação. Made in Brazil”.

Um cardeal da Cúria Romana, que pediu anonimato, registrou, dias passados, um testemunho muito oportuno: “Essa globalização do mercado é criadora de conflitos agudos. Ela fabrica injustiça e miséria, provoca desequilíbrios e traumatismos dos quais ainda não conhecemos os efeitos reais. O mundo não possui meios de regular essa globalização selvagem. Nossa igreja é o único poder espiritual centralizado mundialmente. Ao invés de se empenhar na restauração de seu passado dito glorioso, ela é chamada a desempenhar um papel preponderante para tentar propor, com outros poderes, uma alternativa á globalização do mercado. Essa alternativa consiste em humanizar uma globalização que desumaniza de forma intensiva”.

Talvez seja esta a missão de Francisco, um papa que aparenta não fingir acerca dos seus posicionamentos. Ponhamos fé.

PS. Uma releitura inadiável: Por Uma Outra Globalização: Do Pensamento Único à Consciência Universal, Milton Santos, Record, 2011, 20ª. edição

(Publicada em 14.07.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves