BALIZAMENTOS DO SILVINO
Quando as urnas eletrônicas já se encontravam ontem, 31, recolhidas para um merecido descanso de dois anos, o interfone do prédio anunciou a chegada do meu irmão caminheiro João Silvino da Conceição, sempre acompanhado de seus papéis pautados rabiscados, sua desacadêmica capacidade analítica e sua conhecida sutileza de enviar recados para gregos e troianos, situação e oposição, vencedores e decapitados, cabeludos e carecas, independentemente dos saldos bancários, intimidades com oVaticano, sobrenomes, níveis neuroniais ou tiriricais de cada um.
Sem a sua companheira amada, sete-arrobas morenas generosamente distribuídas e que muito bem satisfazem suas peças existenciais basilares – cabeça, tronco e membro -, João apenas buscava mostrar uns escritos reflexivos destinados aos eleitos de todo Brasil, sem a menor preocupação de agradar as siglas partidárias vigentes.
Os escritos do João Silvino me cativam pela sinceridade cívica. Longe ser um intelectual de carteirinha, manifesta sua criatividade de maneira nada sibilina. Sem complicações hermenêuticas, seu pensar está situado léguas das simploriedades levianas dos abiscoitados de carteirnha ou colunistas de plantão. Sempre se postando sem abdicar de uma cidadania vinculada a uma responsabilidade social que busca transformar promessas em realidades, dando o melhor de si em qualquer circunstância, para o bem dos brasileiros de todos os rincões e níveis de renda.
Eis as “recomendações” rabiscadas pelo Silvino, para os eleitos 2010:
1. Um princípio não deve ser nunca olvidado: “em toda democracia, as respostas são difíceis diante de uma demanda facilmente induzida”. E numa sociedade brutalmente injusta como a nossa, muitas pessoas desejarão impensadamente respostas imediatas para seus problemas.
2. Manifestações legítimas podem ficar empanadas por exteriorizações anárquico-esculhambativas de grupelhos que apenas emporcalham as administrações eleitas só para tirar proveitos futuros.
3. Caridade é bonita. Aproveitamento da miséria dos outros é coisa bem diferente de uma eficaz pedagogia crítica, aquela que ensina como fazer a hora sem esperar acontecer. E sem a perder a ternura jamais.
4. Participando todos de um único cosmo, nele estão refletidas esperanças, conquistas e humilhações. O adesismo cínico é tão grotesco quanto imaginar que alguns episódios e personalidades do passado não poderão voltar nunca mais.
5. Quem só possuir apenas uma visão “economicista”, jamais acreditará nas potencialidades do brasileiro como construtor de amanhãs.
6. Crítica política é uma coisa, chafurdices são outros quinhentos. Debates consistentes edificam a consolidação das cidadanias coletivas. Fuxiquismo é próprio dos mal amados e dos hipócritas ovelhosos das mais diferenciadas igrejas.
7. O Cristóvam Buarque, senador reeleito e um pernambucano competente e de honorabilidade comprovada, sabe das coisas: “O caminho não está em repudiar o socialismo, ou ficar na crítica ao neoliberalismo. Mas em entender a dimensão da crise, perceber a realidade da luta de interesses e oferecer alternativas que incorporem as massas, sem perder o apoio das camadas que são assalariadas, mas que já participam do bem-estar do país moderno que é o Brasil”.
8. Em qualquer circunstância, seguir o receituário de Lao-Tsé: “reagir inteligentemente mesmo diante dos tratamentos não inteligentes”.
9. Durante todo mandato, como Aldous Huxley perceber que “experiência não é aquilo que acontece com o homem; é o que o homem faz com aquilo que acontece com ele.”
10. Entender que a crise maior, nas últimas décadas , não é econômico-financeira. É uma crise de percepção, onde situação e oposição ainda não perceberam a existência de inúmeros pontos de um caminhar conjunto, para o fortalecimento do regime democrático através da ampliação da igualdade social.
Que os eleitos do hoje e os do amanhã redobrem seus cuidados diante das tentações do ganho fácil e dos lucros rapidamente alcançados. As idas demasiadamente rápidas ao pote, alimentando pretensões descabidas, findam sempre em finais lamentáveis, o surrupiado tornado condenação e cadeia. Quem sabe plantar e bem colher ultrapassa-se no dia-a-dia, aceitando-se sempre como um aprendiz de tudo. Percebendo que o convívio com o conhecimento deve ser paciente, nunca ardido em trejeitos fantasiosos, jamais tolamente proclamado, nunca se omitindo diante das injustiças sociais, rejubilando-se sempre com as verdades que emergem, a cada dia, das reelaborações históricas e sociais.
Quem sabe adquirir conhecimento está ciente que ele jamais se tornará findo, o mundo sendo propriedade de todos, inclusive dos mais debilitados financeiramente. Que exigem ser amparados na sua dignificação terrestre, para que as regiões planetárias se tornem pacíficas, sob estratégias distributivistas, cidadanizadas sem esmorecimentos nem nostalgias, iluminando escuros, fortalecendo uma crescente solidariedade universal, no silêncio redentor de cada amanhecer em Deus.
No mais, disse o João Silvino, é desejar sorte aos eleitos e reeleitos, representantes legítimos de um continuado processo de desoligarquização nacional.
PS. Depreciar as pesquisas estatísticas, segundo o João Silvino da Conceição, é coisa de Índio metido a vice. Salve a primeira mulher presidente do Brasil!! Parabéns, presidente Dilma!
(Publicada hoje, 01/11/2010, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves