AZEDOS E ABILOLADOS
Não existe gente mais azeda do que aquela que carrega na ponta da língua um monte de nãos recheado de um pessimismo gota serena. Que se assusta com qualquer peido-do-meio, não se desgrudando das preocupações mais abobadas, sempre transformando tudo em odiosas reticências prenhes de derrotismos. Quando tal negativismo desagregador se instala, o azedume é explícito, risível, fazendo aflorar, em alguns, uma dor de cotovelo da bexiga-lixa, em outros uma vontade mórbida de se escafeder, sem qualquer esperança num melhor amanhã.
Os negativistas, hoje seita bastante crescidinha, são, regra quase geral, mal amados, possuem uma estupidificante insuficiência cultural, apesar dos bens importados adquiridos e parcerias já transadas. De muito ínfima razão crítica, portadores de crasso egoísmo, envenenam-se com as mentiras que enaltecem seus pseudo-sucessos e/ou empobrecem políticos que despudoradamente se auto-anistiam ou cinicamente elegem para a mesa diretora do Senado da República personalidade citada na Enciclopédia Britânica como traficante de cocaína.
O reinado dos negativistas se robustece quando a parte menos protegida do corpo social vai-se habituando com os sintomas de uma perversa decadência moral, apavorada com a possibilidade de ser tragada em definitivo por um ciclo econômico onde apenas refestelam-se os eleitos de um autofágico mercado financeiro. Diante de uma acomodação quase simplória, acreditam os negativistas que voar e rastejar são verbos destinados a categorias sociais distintas, com as exceções que se fazem necessárias para, enaltecidas, confirmarem a regra geral.
Sem uma educação cidadã, colonizados e colonizadores não domesticarão seus instintos primários. A lição do mais que notável Albert Einstein baliza quem busca propósitos altaneiros: “Se os homens, como indivíduos, cedem ao apelo de seus instintos básicos, evitando a dor e buscando satisfação apenas para si próprios, o resultado para todo o seu conjunto é, forçosamente, um estado de insegurança, medo e sofrimento geral. Se, além disso, eles usam sua inteligência numa perspectiva individualista, isto é, egoista, baseando suas vidas na ilusão de uma existência feliz e descompromissada, as coisas dificilmente podem melhorar. Em comparação com os outros instintos e impulsos primários, as emoções do amor, da piedade e da amizade são fracas e limitadas demais para conduzir a sociedade humana a uma condição tolerável”.
Cultivar amizade com pessoas de espírito elevado, ainda que de opiniões divergentes, eis ainda um grande mote revivificador. Admirar pessoas de pensamentos anti-nostálgicos, criadoras de uma atmosfera sadia, que abjuram ser donas da verdade, cultivando serenas apreensões, oxigenadoras de salutares estratégias de superação de situações conflituosas, faz civicamente muito bem.
Estejamos sempre aptos para destruir o comodismo e a estabilidade, os principais adversários da inovação, tratando com equidade direitos e prestígios individuais e coletivos. Reconhecendo que as vassouras novas, além de novas, devem estar de pelagem luzidia, sem pregos-esporões nem enviesamentos cavilosos, mesmo que travestidos de socialista.
Além dos azedos, de quando em vez, deparo-me com um atoleimado ser humano pela frente. Abilolado, como dizia minha vó Zefinha. Sem entender bulhufas de uma contemporaneidade cada vez mais dinâmica, destila besteiras por todos os poros, irracionaliza fatos do cotidiano mais simples, perambula rodeado de crenças malucas, retratando um subdesenvolvimento mental que é o pior de todos eles. E vive a engabelar ele mesmo e o seu derredor com suas invencionices e presepadas.
O João Silvino da Conceição, esse arretado PhD em coisas da vida, costuma dizer que todo pangaré que fica sempre olhando para os seus problemas, será por eles derrubado. E cita não sei quem, alguém que ele leu e muito gostou: “Os fatos costumam ser neutros; são as crenças que afetam nossas formas de pensar, sentir e agir”. Ele ficou impressionado com uma entrevista concedida pelo Stephen Hawkings, esse físico britânico portador de uma crescentemente gravíssima doença neurológica, quando ele declarou estar se sentindo muito feliz por ter contribuído para um melhor conhecimento das origens do Universo! E o Stephen está recém-casado!!
Numa das últimas visitas que fiz à casa-quase-casebre do Silvino da Conceição, conversa vai, conversa vem, cerveja sempre gelada e uns pedacinhos de queijo coalho para desenfastiar o estômago, ele me disse que bem vive quem sabe entender as três regras de um jogo de damas. Atendendo a minha curiosidade, declinou-as: 1. não se pode fazer duas jogadas por vez; 2. somente se pode mover para frente; 3. quando se chega na última fila, se está livre para se ir onde quiser. E arrematou, riso franco, peito aberto, sem medo algum de ser feliz: “Se todo pangaré soubesse aplicar as regras de um jogo de dama, logo deixaria de ser um pangaré cheio de estrepolias”. E concluiu, cheio de convicção: “Todo ser humano que sofre antes do necessário sofre mais do que o necessário”.
Gosto muitíssimo de papear com o Silvino da Conceição, principalmente quando, vez por outra, insatisfações múltiplas parecem querer catapultar meu otimismo realista para bem longe. Quando de minha visita última, já portão aberto e abraços de até-outro-dia dados, ele presenteou-me com uma das suas, uma “saideira” de primeiríssima: “Quando alguém se considera um ser humano puro e simples, e com um terceiro acontece o mesmo, então é natural se encontrarem para um bate-papo sempre aberto, as diferenças administradas com sabedoria e paciência recíprocas. Quando, entretanto, um deles se considera uma altíssima montanha, o outro pensando o mesmo, as convergências jamais acontecerão. Montanhas podem ser altas, mas jamais podem se tocar…”
De retorno às minhas atividades, depois de um Carnaval arretado de ótimo com a Rejane, sinto-me mais apto na identificação dos pangarés da província, para rejeitar suas farolagens, inclusive políticas, que apenas ampliam inquietações e desconfortos. E bem mais afiado na identificação dos “fingidos e amacacados” do João Silvino da Conceição, engabeladores de panacas, sem esquecer o Mário Quintana, poeta gigante, “A mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer”. Quintana e Silvino da Conceição, doutores de Vida, sem brasões nem lamentações.
(Publicado em 13.03.2017 no site do Jornal da Besta Fubana e no site www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves