AVESTRUZAMENTOS
No sábado de Zé Pereira, com o Galo da Madrugada saudando a multidão com sua alegria contagiante e eu tomando conta das minhas muito amadas “meninas”, anotei uma feliz expressão utilizada pela ex-senadora Marina Silva num artigo na Folha de São Paulo, título desta crônica. Avestruzamento, segundo a brava política, é enfiar a cabeça no chão, ficando com o resto de fora, sempre procrastinando soluções que se fazem urgentes, empurrando-as com a barriga, tudo sendo deixado para amanhãs pouco definidos, as irresponsabilidades praticadas respaldadas na paciência paspalha de uma sociedade que só faz reclamar, sem nenhum consistente despertar evolucionário, sempre vagão, nunca ainda locomotiva, mesmo às vésperas de eleições municipais.
Como seria oportuna a leitura dos ensaios de Amin Maalouf contidos no livro O Mundo em Desajuste – Quando Nossas Civilizações se Esgotam, um verdadeiro grito de alerta para um mundo que perdeu suas referências, onde são confrontadas duas tendências contraditórias, evolucionárias e autofágicas por derradeiro: a do “barbarismo” do mundo islâmico e a do “cinismo” do Ocidente. Também muito salutar a leitura de duas entrevistas interdependentes por derradeiro: a concedida pelo sociólogo Chico Oliveira na revista Sociologia, edição 39, fevereiro/março 2012, e a concedida pelo economista Antônio Dias Leite na Carta Capital edição 686, de 29 de fevereiro, sobre seu livro Brasil, País Rico – O Que Ainda Falta, Campus, 2012.
Através de depoimentos lúcidos e sem o embromês que já anda campeando em ano eleitoral, os dois autores brasileiros ressaltam que a sociedade civil brasileira, hoje, cambaleia entre uma expressividade comodista e uma politização impotente, distanciada de um inadiável revigoramento educacional num projeto nacional duradouro, parecendo exaltar chicotada notável do australiano Robert Hughes, da revista Time: ” A velha divisão de direita e esquerda acabou se assemelhando mais a duas seitas puritanas, uma lamentosamente conservadora, a outra posando de revolucionária mas usando a lamentação acadêmica como maneira de fugir ao comprometimento no mundo real “. Áreas dinossáuricas que ainda se duelam como se estivessem em tempos pós-Segunda Guerra Mundial, em anos onde ainda não se vislumbrava a Queda do Muro de Berlim.
Uma Nação sem bussulamentos, com uma penca de ministérios inúteis e destruturadores, portadora de um sistema administrativo público bur(r)ocraticamente lerdo, salvo algumas áreas de voraz vocação arrecadadora, com motivações desbinoculizadas, onde incompetência e corrupção andam de mãos dadas sob os olhares do resto do mundo, que ainda vez por outra relembra o desabafo de Charles de Gaulle. E com uma distribuição de renda que nos envergonha e um sistema educacional que nos impede de alcançar melhores posições de liderança planetária. Segundo Chico Oliveira, “nossa sociedade ainda é profundamente individual e está entre as mais desiguais do mundo. … Hoje o que vale é o mercado. Essa sociedade não demonstra a capacidade de ir mais além”. Reflexão complementada por Dias Leite: “A riqueza tem de ser expressa pelas condições de vida da população. Um país pode ser capaz de realizar grande produção de bens e serviços e não ser rico. Crescemos no total do que produzimos, mas não nos tornamos um país rico no sentido de que a população está num nível de bem-estar social”.
Para sermos uma Nação soberana, urge reconhecer que a escolaridade pesa mais que Bolsa Família e o aumento do salário mínimo; que não se deve procrastinar os debates sobre formação, reestruturação, modernização de conceitos, aparelhagem, estrutura salarial das Forças Armadas do país e estaduais Polícias Militares; sempre saber diferenciar vitórias estruturadoras de vitórias enganadoras ou vitórias de Pirro, a favorecer apenas a sustentabilidade do sistema financeiro existente, desconhecendo as desestruturações educacionais que ampliam indigências cognitivas nos três níveis de ensino; e não atentar para o navio mundial que “está à deriva, desnorteado, sem rumo, sem visibilidade, sem bússola, num mar agitado, e que é preciso, com urgência, uma sacudida, para evitar o naufrágio”.
As lideranças públicas e empresariais tem uma missão que não pode ser relegada a planos subalternos ou procrastinatórios: “a de um vigia noturno num jardim, no dia seguinte a uma tempestade e na iminência de outra, ainda mais violenta, que se prepara. Com uma lanterna, ele se aproxima a passos prudentes, aponta o foco de luz para um tufo de plantas, depois para outro, controla uma alameda, recua, examina mais de perto uma árvore antiga que foi arrancada e depois se dirige a um ponto mais elevado, apaga a laterna e procura ter uma visão ampla do panorama inteiro”. Sem avestruzamentos…
PS. Nossa profunda reverência ao bispo Dom Robinson Cavalcanti e à sua senhora, Dona Miriam, tragicamente eternizados. Devo a Dom Robinson o meu ingresso na Igreja Anglicana, tendo ele posteriormente presidido a cerimônia do meu casamento com a Melba, companheira de caminhada. Um talento nordestino, reconhecido mundialmente.
(Publicada em 05/03/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves