AUTOFAGIA VATICANA


Sempre me senti bastante incomodado com a suntuosidade das solenidades acontecidas no Vaticano, radicalmente diferenciadas das vivências praticadas pelo Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador. Além das intrigas, fuxicos, altas especulações financeiras e prevaricações de grosso calibre, vez em quando gangrena emerge dos corredores, dormitórios e arquivos, provocando arrepios e comoções nos quatro cantos do planeta. Quando não desaparecimentos precoces, muitos deles detalhadamente esmiuçados no livro Papas – Vício, Assassinato e Corrupção no Vaticano, de Brenda Ralph Lewis, editora Europa, 2010. A autora é pesquisadora especializada, com inúmeros livros públicados. E no citado acima, ela narra acontecimentos terríveis, inclusive do papa Sérgio III, que era amante de Marózia, de apenas 15 anos, com a qual teve um filho, que se tornou João XI, o que fez do papa Sérgio III pai de outro papa. Essa Marózia mantinha uma casa na Ilha Tiberina e recebia jovens aristocratas e membros da Igreja, onde moralidade e decência passavam ao largo, onde ela e seus convidados “caçavam com seus cavalos ornamentados de ouro, faziam ricos banquetes com dançarinas e, quando tudo acabava, retiravam-se aos seus aposentos acompanhados pelas prostitutas, deitando em lençóis de seda bordados em ouro. Todos os bispos romanos eram casados e suas esposas faziam vestidos de seda com as vestimentas sagradas”, segundo relato do historiador Liutprando, também bispo de Cremona, autor de Antapodosis, a história do papado de 886 a 950. Marózia, aos 96 anos, foi asfixiada por um carrasco com um travesseiro em seu quarto, para o bem da Santa Madre Igreja.

Nos tempos de agora, com a longevidade acentuada do atual pontífice, um sacerdote sem qualquer carisma, embora intelectual consagrado, forças reacionárias gigantescas preparam-se para duelar pelo trono de São Pedro. As principais são Opus Dei,Comunhão e Libertação, Caminho Neocatecumenal, Legionários de Cristo. E mais alguns outros grupos aliados a poderosos interesses doutrinários, mercantilistas e políticos.

Entretanto, existem outros fatos que estão dando motes diversos nas mais diversas partes do planeta. Em 2009, a Bélgica censurou formalmente o Vaticano pela condenação do uso da camisinha, que maliciosamente alegava que os preservativos agravavam a epidemia. Dois anos depois, a justiça belga exigiu punição severa para um bispo pedófilo, abrindo processo de indenização a várias vítimas. E o fato mais recente aconteceu a 27 de maio último, quando centenas de manifestantes, ostentando fotos da desaparecida Emanuela Orlandi, vaiaram o papa em plena Praça de São Pedro, exigindo esclarecimentos consistentes sobre o escandaloso assunto.

Tudo faz crer que algumas da razões que contribuíram para o declínio do Império Romano, nos tempos de Paulo, ressuscitam no atual momento histórico do Vaticano: “permissividade social, imoralidade, desprezo cínico pelas virtudes, busca da riqueza materialista, práticas político-administrativas venais, suborno, criminalidade, atitudes de vale-tudo entre os portadores dos cargos mais elevados, tolerância diante das pedofilias praticadas, burocracias e burocratas insensíveis, desprezo pela honra dos seres humanos de bem, menosprezo pela inteligência feminina, entre outras atitudes de mau gosto”.

Razão plena teve o jornalista Hélio Schwartsman, na FSP, quando escreveu: “Não posso dizer que a decadência do catolicismo me desagrade. Acredito até que muitos católicos caóticos concordarão comigo que uma igreja mais fraca que não queime supostos hereges é preferível a uma instituição forte que promova genocídios como o fez com judeus, protestantes e negros. A estes últimos negava até o direito à alma. Sei que é um erro historiográfico julgar atos do passado com a moral de hoje, mas é o próprio Vaticano e não eu quem gosta de propalar que a moral é eterna e incondicionada. Se a diferença entre o certo e o errado é a mesma desde sempre, ou bem Deus não condena a escravidão, ou bem a Igreja Católica nem sempre está do lado do Criador.”

Um amigo inesquecível, já nos braços da Criação, um dia declarou, numa roda de admiradores, que considerava o Vaticano anti-evangélico por derradeiro. Com sua arrogância neoliberal e sua subserviência à globalização, sempre buscando as massas despersonalizadas, o Vaticano se encaminha para um beco sem saída, não conseguindo estabelecer suas diretrizes num mundo marcado pelos conflitos incessantes entre o ser-perdido e o ser-no-mundo.

As brigalhadas e intrigas internas revelam apenas interesses espúrios que abafam a mensagem salvífica do Homão da Galileia, hoje apenas utilizado como um anestésico que impossibilita a libertação do homem todo e de todos os homens.

(Publicada em 11.06.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco.
Fernando Antônio Gonçalves