ATRAÇÃO FATAL
No último trimestre de 1932, quando a crise na Alemanha se aprofundava e o governo tornava-se cada vez mais imobilizado, um grupo de conservadores propôs ao presidente Paul von Hindenburg oferecer a liderança do governo a Adolf Hitler, que deveria lidar com a crise social, econômica e política que se agigantava, todos o vendo como um mal necessário. Acreditavam os oportunistas conservadores que Hitler, não sendo possuidor de muita experiência política, não teria condições de se firmar por muito tempo como Chanceler, favorecendo a continuação deles, conservadores, no poder. Muitos, inclusive o ex-Chanceler Franz von Papen, consideravam a rara capacidade de se conectar com as massas de Hitler uma oportunidade única alemã de rever o Tratado de Paz de 1919, expandir as Forças Armadas e a indústria bélica, tornando-se um destemido oponente ao socialismo recém implantado na União Soviética. Até empresários mais reticentes passaram a sonhar em “unir os nazistas a um governo dominado pelos conservadores”. E o presidente Hindenburg imaginava que, entupindo o gabinete de Hitler de experientes não-nazistas garantiria que ele, Hitler, “fosse mais um títere do que um verdadeiro líder com ideias efetivas e um programa próprio de governo”. Um estúpido engano dos conservadores: em menos de seis meses, os nazistas iniciaram a destruição da Justiça com a suspensão dos direitos civis e legais, favorecendo a emersão da Gestapo (Polícia Secreta de Estado) e o efetivo funcionamento dos campos de concentração, o primeiro deles, em Dachau, inaugurado em 22 de março de1933, apenas dois meses após a chegada de Hitler ao poder.
Em números, eis um retrato do degrigolamento da economia alemã, segundo o historiador Richard J. Evans (O Terceiro Reich no Poder, Planeta, 2011): “Em 1913, o dólar valia quatro marcos de papel-moeda; no final de 1919 valia 47; em julho de 1922, 493; em dezembro de 1922, sete mil; em julho de 1923, 353 mil marcos; em agosto, 4,5 milhões, em outubro de 1923, 25.260 milhões; em dezembro de 1923, 4 trilhões”. Quando a inflação foi detida, de 1924 em diante havia milhões de desempregados, empresas ressentidas, auto-estima no chão e furor nazista em plena ascendência.
No número 2441 da revista Galileu, novembro 2011, p. 96, um artigo do historiador alemão Götz Aly revela que “Hitler ganhou espaço na Alemanha porque a classe média não tinha perspetiva. Seus apoiadores não eram maus, mas pragmáticos”. E explicita uma circunstância no primeiro parágrafo do texto: “Pense em um conhecido seu, um primo ou um amigo. Imagine que ele perdeu o emprego há vários meses e não consegue levar dinheiro para casa. Faz alguns bicos, aqui e ali, mas não consegue encarar os filhos nos olhos. Para piorar as coisas, o vizinho foi promovido, trocou de carro e está construindo uma piscina no quintal de casa. Essa situação dura vários meses, até que um novo governante assume o poder e promete que quem participar do novo regime vai ganhar uniformes exclusivos, poder e, principalmente, um emprego com salário alto. Foi uma situação como essa que formou a base do nazismo na Alemanha: gente comum, que viveu um período prolongado de dificuldades financeiras e baixíssima auto-estima. Poderia ser seu primo. Poderia ser seu vizinho,Poderia ser você”.
Diante das circunstância acima, milhões de pais de família desempregados se juntaram ao Partido Nazista, acreditando com fervor que aquele novo Chanceler iria mudar a face do pais, tirando-os da humilhação imposta pelo Tratado de Paz, após o término da Primeira Guerra Mundial, 1918. No pensar de Robert Gellately, autor de Apoiando Hitler – Consentimento e Coerção na Alemanha Nazista, Record, 2011, “Hitler preencheu um vácuo de poder e em pouco tempo ganhou aprovação patriótica por rasgar sistematicamente o humilhante tratado de paz de 1918 e por restaurar, quase da noite para o dia, o que muitos alemães sentiam ser o lugar ‘de direito’ do país como potência dominante do continente. Ele conseguiu fazer isso quase que sem um exército”.
E a conclusão do artigo do historiador Götz Aly é cidadanizadora por derradeiro: “Se o nazismo e o antissemitismo cresceram graças a um ambiente de pobreza e, principalmente, de falta de perspectivas, este fenômeno pode se repetir a qualquer momento, em qualquer lugar”. Uma reflexão para os que estão consolidando a Primavera Árabe. E para os europeus, numa crise de proporção gigantesca. E também para a ainda abilolada classe média brasileira, que sempre gosta de imitar os da parte de cima, olhando de soslaio para os que estão batalhando por um melhor lugar ao sol. Para os que não possuem fina estampa…
PS. O Brasil tem 1.174 faculdades de Direito, enquanto nos Estados Unidos existem apenas 280. E a Índia, com 1,2 bilhão de pessoas, tem 87. Sabem o futuro dessa anomalia?
PS2. Que alguns “sabidos” não queiram fazer da presidente Dilma a bola de vez. As consequências poderão não ser agradáveis para o futuro político deles.
PS3. Quando o governo iraquiano autoriza polícia a exterminar gays, é sinal evidente de que os campos de extermínio não foram ainda erradicados na face da terra.
(Publicada em 19/03/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves