ATEÍSMOS X CRENÇAS
PARTE PRIMEIRA
Um advogado renomado que muito fraternalmente estimo, o PHM, permitam-me chamá-lo assim, que se declara materialista, detesta o termo “ateu”. Consultando o História do Ateísmo, de Georges Minois, Unesp, recentemente tornado público, nele se constata “que o termo ‘ateu’ conserva uma vaga conotação pejorativa, e sempre causa medo: herança de muitas séculos de perseguição, de desprezo e ódio por todos aqueles que negavam a existência de Deus e se viam, assim, irremediavelmente amaldiçoados”. Um termo que “exala um vago odor de fogueira”. E é do autor acima citado uma tese nada raivosa: “O ateísmo, independente das religiões, pode ser concebido como a grandiosa tentativa do homem criar para si mesmo, de justificar para si mesmo sua presença no universo material, de nele construir um lugar inexpugnável”.
Há alguns meses, li um livro de físico brasileiro, radicado nos Estados Unidos, de bela feitura, que analisa os problemas ambientais que enfrentamos. De Marcelo Gleiser, Criação Imperfeita – Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza, RJ, Record, 2010.
Gleiser nasceu a 19 de março de 1959, bacharelou-se em Física, PUC-RJ, em 1981, obteve o Mestrado no ano seguinte, UFRJ, e doutorou-se em 1986 pelo King’s College London, na Inglaterra. Declarando-se um ateu liberal, reconhece o papel que a fé desempenha no desenvolvimento das civilizações, embora destaque com sinceridade: “Se sou ateu; se fico transtornado quando vejo a infiltração de grupos religiosos extremistas nas escolas, querendo mudar o currículo, tratando a ciência em pé de igualdade com a Bíblia; se concordo que o extremismo religioso é um dos grandes males do mundo; se batalho contra a disseminação de crenças anticientíficas absurdas como o design inteligente e o criacionismo na mídia; por que, então, critico o ateísmo radical de Dawkins? Porque não acredito em extremismos e intolerância. … É essa crença ignorante que deve ser combatida; … É a hipocrisia usada sob a bandeira da fé que deve ser combatida, não a fé em si.”
Gleiser ainda declara-se crítico das posturas perfeccionistas do universo, na busca da comunidade de físicos pela “teoria do tudo”. Para Gleiser, o Universo é repleto de imperfeições, e nele não se pode identificar, baseado em nossa tecnologia limitada, uma lei única que reja toda a natureza. Para Gleiser, tais cientistas deveriam ter uma maior “autocrítica”: “Nós conhecemos o mundo por causa de nossos instrumentos… O problema é que toda máquina tem uma precisão limitada. É impossível criar uma teoria final porque nunca vamos saber tudo. Temos de aprender a ser humildes com relação a nosso conhecimento de mundo, que sempre será limitado.”
Uma leitura de argumentação consistente, de quem sabe respeitar as opiniões contrárias, as mais diferenciadas e não histéricas ou compulsivas.
PARTE SEGUNDA
Um livro, editado pela Paulus, me proporcionou excelentes momentos de leitura reflexiva: O Católico de Amanhã: para entender Deus e Jesus em um novo milênio. Seu autor, Michael Morwood, especialista em Ministério Pastoral, utiliza uma linguagem clara e bastante prática para todas as denominações cristãs, buscando ultrapassar as lacunas existentes entre a doutrina da Igreja (católica) e a mensagem evangélica do legado cristão.
O texto de Morwood tem cinco propósitos principais: ajudar católicos e outros cristãos a desenvolver um sentimento de fascínio no Deus em quem creem; auxiliar todos os cristãos a melhor apreciar o lugar de Jesus nos assuntos humanos; ampliar a compreensão dos cristãos de que o mesmo Espírito Santo de Deus que intercede em Jesus intercede em todos nós; que a presença do Espírito desafia todos nós a ser presença de Deus no mundo de hoje; e buscar estabelecer qual o tipo de liderança e autoridade da Igreja que procuramos neste terceiro milênio.
No livro, Morwood transcreve a visão de Michael Dowd, descrevendo a história do universo na escala de um ano: “Imaginemos que a nossa história de 15 bilhões de anos seja reduzida a um único ano. A galáxia da Via Láctea se organizou no fim de fevereiro, nosso sistema solar surgiu da nebulosa elementar de uma supernova no início de setembro; os oceanos planetários formaram-se em meados de setembro; a Terra acordou para a vida no fim de setembro; o sexo foi inventado no fim de novembro; os dinossauros viveram durante alguns dias no início de dezembro, as plantas florescentes explodiram em cena com uma sucessão de cores em meados de dezembro e o universo começou a refletir conscientemente no ser humano e por meio dele, com escolha e livre-arbítrio, menos de dez minutos antes da meia noite de 31 de dezembro… Nessa escala, o Homão da Galileia nasceu às 11h59 num 31 de dezembro!!”
O livro traz questões incrivelmente despertadoras. Duas delas: o que acontece agora quando somos confrontados com provas esmagadoras de que desenvolvimento, morte, desastre e revolução eram partes essenciais deste planeta milhões e milhões de anos antes que os seres humanos entrassem em cena?; o que acontece quando as imagens de Deus que estavam tão entranhadas em nós, que ainda tanto fazem parte de nossa maneira de pensar e prática religiosa, são postas em dúvida por modos diferentes de ver a criação, o universo, a realidade?
Especial atenção deve ser dada ao capítulo 5 – Para entender Jesus -, que aponta novos caminhos libertadores para católicos de formação tradicionalista, revitalizando o pensamento cristão, sem perder seus alicerces essenciais. Entendendo porque a pregação d’Ele estava sempre relacionada à libertação das pessoas do medo, da ignorância e do desamor.
(Publicado em 25.04.2016, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com/sempreamatutar)
Fernando Antônio Gonçalves