ASCENSÃO E QUEDA DOS CARISMÁTICOS


No auge da última campanha eleitoral, quando os três principais candidatos buscavam a chance de ser primeiro mandatário do Brasil, um país líder inconteste da América Latina, um professor da Universidade Federal do Paraná, colega de pós-graduação da PUC-RJ, realizada em meados dos anos 70, me envia um texto publicado pela Jorge Zahar Editora em 1993. Num bilhete anexo, ele dizia que o texto deveria ser lido por muitos, para se pudesse compreender melhor o que Max Weber conceituava de “dominação carismática”, no passado muito aplicada ao campo religioso, significando um dom gratuito de Deus.

Max Weber e outros estudiosos utilizaram a expressão para identificar aquela personalidade dotada de qualidade extraordinária e indefinível, indo além das ditas humanas normais. Segundo ainda o sociólogo famoso, trata-se de um poder sem base racional, sendo instável, arbitrário, dotado de características revolucionárias, muitas vezes em colisão com os conceitos teóricos de uma sadia organização, não podendo a “dominação carismática” ser delegada nem tornada hereditária.

O livro enviado pelo docente amigo foi publicado, em inglês, em 1991, tomando a edição brasileira, em 1993, o título de Hitler – Um Perfil de Poder, de Ian Kershaw, o mesmo autor que recentemente lançou, pela Companhia das Letras, uma aguardada condensação, em um só volume, de sua memorável biografia Hitler,1889-1945, tornada pública em dois volumes no final do século passado. A condensação lançada intitula-se Hitler, com mais de mil páginas e fartamente ilustrada, embora sem referências e notas, conservada integralmente a essência da edição original.

Divulgo, com a devida autorização do amigo docente, alguns trechos da sua correspondência: “… Numa época onde uma disputa presidencial tende a resvalar para baixarias incomensuráveis, como se ainda estivéssemos em períodos dinossáuricos, este livro, muito pouco discutido ainda nos nossos principais centros de reflexão política, merece ser lido e relido por aqueles que buscam cidadanizar-se sem as contaminações ideológicas espúrias que podem desestruturar os ainda frágeis alicerces democráticos, mormente agora quando alguns setores da nossa sociedade civil – legislativo, judiciário, segurança pública e ensino superior – fragilizam-se rapidamente na avaliação de milhões de brasileiros. … Acredito que a sociedade civil brasileira ainda se encontra bastante acabrunhada, quase de cócaras, uma parte aplaudindo tudo freneticamente, outra banda criticando asperamente toda e qualquer iniciativa pública, ambas sem criticidade nem formatação para oferecer perspectivas alternativas futuras. … O livro que lhe remeto, bem poderia servir de base para uma discusão saudável, eivada de intuições analíticas, sobre uma questão complexa que se faz presente e não deseja mais ser procrastinada: “Como pôde uma figura como Adolf Hitler dirigir uma das nações culturalmente mais avançadas do mundo, provocando uma queda vertiginosa dos principais valores da civilização moderna, arruinando a Alemanha e deixando em condições lamentáveis de destruição grande parte da Europa?”. … Diz a orelha primeira do livro que lhe estou presenteando que “o que terá levado, dentre tantos fanáticos nacionalistas e racistas da Alemanha, a exercer tamanha atração sobre as massas? O fato é que, contrariando todas as expectativas, a autoridade de Hitler não foi questionada pelas classes dominantes, nem tampouco cerceada por restrições constitucionais”. … Creio, amigo querido, que é chegada a hora da sociedade civil brasileira ampliar os debates sobre o futuro nacional, sem furores idióticos, nem histerismos de sacristia, os academicismos pedantocráticos sendo sobrepujados por um paulofreireanismo cidadanizador por excelência, numa gigantesca ‘onda pensatória’. … Tenho receio que o “promessismo” desenfreado de alguns candidatos induza descabidas reivindicações múltiplas, fazendo ruir construções democráticas pela impossibilidade de atendimento generalizado ou por cobranças inoportunas dos demagogos de plantão, no que poderá redundar numa crise profunda do próprio Estado. … O Brasil não está precisando de salvadores da pátria, mas sim de uma reforma política profunda, de uma gigantesca credibilização do Poder Judiciário e de uma Educação Básica não-embromatória, que favoreçam o soerguimento de todos na direção de amanhãs mais dignificantes e menos promíscuos, antes que o Ovo da Serpente volte a ser identificado. … Se eu fosse eleitor em Pernambuco, votaria sem destemor naquele que extraordinariamente fortaleceu o Ensino Profissionalizante estadual”.

O livro Hitler –Um Perfil de Poder, de Ian Kershaw, Jorge Zahar Editor, 1993, foi uma das leituras mais significativas que fiz em 2010. Principalmente o seu capítulo 7, A Arrogância do Poder, tema que muito poderia arejar mentalmente dirigentes de todos os naipes – públicos e empresariais -nos seus procedimentos operacionais e estratégicos, sem perder a ternura jamais.

PS. Seria deveras importante, depois das reportagens da posse da presidente Dilma, que os comentaristas das rádios e tevês transmissores ouvissem a gravação do que disseram. Para identificarem as besteiradas por eles transmitidas.

(Publicada em 03/01/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves