ÁS VÉSPERAS DE ELEIÇÃO


De vez em quando a gente topa com cada “coisa metida a bípede”, até nos corredores de universidade conceituada. No final do recém findo semestre passado, conversando com alguns alunos ainda quase “feras” de um centro universitário, um deles, falante e bem apessoado, cabelo engomado e relógio de grife, declarou alto e bom som: “Vou votar nulo nas próximas eleições pois sou apolítico”. Com toda fraternidade, olhando bem dentro dos olhos de um pobre coitado ainda não-cidadão, retruquei: “Me desculpe, mas você não é um apolítico. Você é um panaca! Todo ser humano é um ser político. Ele pode não ter partido, pode estar decepcionado com a bandalheira e mediocridade do Congresso Nacional, mas político ele é. E caberá a nós, eleitores, conscientemente, elegermos os mais dignos para bem nos representar no Congresso Nacional e nas demais casas legislativas”.

A roda assanhou-se por inteiro e o papo prolongou-se por mais um bocado de minutos. Foi então que um deles pediu aos colegas textos sobre política, sem as enfadonhas leituras daqueles que não sabem escrever com profundidade e tom prazeroso. Imediatamente, uma jovem mestranda que acabara de se incorporar ao grupo, tinha vindo buscar a irmã primeiro período, sugeriu um texto do Rubem Alves intitulado Conversas sobre política, editora Verus, 2010. E fez uma proposta: que o grupo voltasse a se reunir, depois de ler o livro, para trocar ideias esclarecedoras, pedindo vênia para que ela e eu participássemos do encontro, mesmo na condição de simples observadores.

O reencontro aconteceu duas semanas depois, todos com o livro do Rubem Alves ao vivo ou xerocado, semblantes entusiasmados, um deles portando um violão, pronto para não deixar cair a peteca da euforia coletiva. E o coordenador eleito, um magricela espichado muito bem humorado, externou uma cobrança feita quando da reunião preliminar: que cada um externasse para os demais, as frases do Rubem Alves que mais impressionaram.

E as eleitas foram as seguintes, todas anotadas pela aluna-mestranda e por mim, meros “apreciólogos”:
– Quem pensa em minutos, não tem paciência para plantar árvores.
– O crime não começa com o dedo que puxa o gatilho. Ele começa naquele que fabrica as armas.
– Se o povo não souber pensar, votos e eleições não produzirão democracia.
– Já imaginou se os eleitos, além das realizações das suas promessas, entendessem que fazer o povo pensar é a principal tarefa deles?
– Maquiavel já dizia que pouco importa que o Príncipe tenha fezes abundantes e fedorentas. O que importa é que seus súditos pensem que suas fezes são poucas e perfumadas.
– A condição fundamental para a vida social civilizada é a segurança, ausência de medo.
– Político que acredita ter ligação direta com Deus não precisa ter ligação com os homens. Todo político que cita Deus é um ditador em potencial.
– As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo.
– Uma coisa é o ideal democrático que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido.
– Há dois tipos de políticos: os que se oferecem aos olhos do povo e os que oferecem novos olhos ao povo.
– Para os que têm medo das incertezas da liberdade, a espada tem sempre um efeito embalador.
– Quando o caos aparece, sempre aparece a nostalgia da ditadura benevolente
– Uma raposa não pode representar as galinhas.
– Não me entusiasmo com o remendo novo que é costurado sobre os buracos. O que me desanima é saber que o tecido podre vai continuar.

O tempo passou de repente e o entusiasmo grupal não se desminliguiu, Muito pelo contrário, o pedido de bis foi unâmine. Para continuar até depois das eleições, buscando atrair mais gente para o papo quinzenal.

Para os nunca iludidos, a receita aplaudida por todos os participantes é do poeta gaúcho Mário Quintana:
“Se as coisas são inatingíveis… Ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!”

Jornal do Commercio, 08.09.2010
Fernando Antônio Gonçalves