ÀS ELITES E NOVAS CLASSES


Quando aconteceram as tragédias na área serrana do Rio de Janeiro, poucos dias depois de um romper de ano com uma queima de fogos para turista nenhum botar defeito, a reflexão de uma norte-americana inteligente me inquietou sobremaneira: “É como se a sociedade continuasse a fazer festa no andar de cima enquanto os alicerces da casa desmoronam a seus pés”. A frase é de Naomi Wolf e está contida no às vezes não muito didático livro O Fim da América, RJ, Record, 2010. Ela é uma consultora política militante das causas feministas, para quem “jornalistas no Brasil e na Argentina sabem exatamente qual a diferença entre publicar um jornal em regime de liberdade e publicar o mesmo jornal com alguém os vigiando sobre os ombros”.

Do texto da Naomi, voltado para o leitor norte-americano, algumas boas lições podem ser de bom proveito para ampliar a criticidade da gente brasileira, buscando favorecer aqueles que há muito se distanciaram dos problemas brasileiros, mais interessados que estão em deslumbramentos internacionalizantes que dão cinco minutos de notoriedade, pouco se lixando para a erosão dos direitos sociais coletivos e a destruição do equilíbrio institucional por um Congresso Nacional de maioria emporcalhada.

Atualmente, as classes sociais brasileiras possuem elementar saber histórico, este não fazendo parte dos seus cardápios existenciais, porque desatrelado integralmente de fatos e feitos egolátricos. Inclusive porque muitos segmentos, integrados neles o lumpemproletariado da análise marxista, todos com interesses numa sociedade conservadora, solapando os inadiáveis momentos de integração nacional.

Como sempre sonho alto e ainda estupefato com as “demências burocráticas e decisórias do setor público” e as “culturas de fingimento e promessas recheadas de hipocrisia” praticadas por ocasião das catástrofes brasileiras, as recentes e as dos anos passados, explicito como deveriam ser os Dez Mandamentos de acelerariam o caminhar do Nordeste na direção da implementação efetiva de uma estratégia de desenvolvimento sustentável: 1. Não ser revolucionário apenas esquerdeiro; 2. Não confiar nos que expõem soluções mirabolantes e respostas definitivas; 3. Não temer, em momento algum, discutir, criticar, discordar, debater e projetar amanhãs; 4. Não fingir dialogar, transparecendo espírito amargo e dogmático; 5. Respeitar as instituições legislativas e judiciárias, jamais permitindo, pela omissão e ausência de “chicotadas analíticas”, que elas resvalem para a área “coisas bolorentas e inúteis”; 6. Entender que o recrudescimento do ativismo de aparentes minorias é reflexo das necessidades de um novo sistema de produção; 7. Difundir sempre que os conflitos na sociedade são mais que necessários, são desejáveis, posto que alertadores para futuros menos injustos; 8. Incentivar acordos e convenções mais imaginosos, sensíveis às necessidades em rápida evolução das minorias mutantes e em expansão, legitimando a diversidade; 9. Jamais menosprezar as ainda tênues influências populares, impossibilitando sempre que algumas lideranças tiranizem as demais. 10. Compreender e difundir que nem toda descentralização política é garantidora de salutar prática democrática.

Reitero, aqui, o pensamento do empresário Belarmino Alcoforado: “A velocidade de uma caravana é a do camelo mais lento”. Todo cuidado é pouco, então, para não se montar neste camelo. Importando aqui ressaltar que a velocidade é uma variável ímpar na superação dos umbrais historicamente ultrapassados.

Os anéis e os dedos de todos estão a depender da vontade política de participar de todos. O ditado “pimenta no abre-te-sésamo dos outros é refresco” está pairando sobre gregos e troianos. A hora é de muito refletir para um agir rápido e consistente, solidário e não-suicida. A Copa do Mundo do 2014 sendo apenas uma agulha no palheiro, anestésica apenas.

Jornal do Commercio, 02.02.2011
Fernando Antônio Gonçalves