APELOS À CONSCIÊNCIA


Nunca escondi de ninguém as minhas quatro grandes admirações terrestres não familiares, os quatro mosqueteiros que alicerçaram os meus ainda sempre precários níveis de cidadania: Dom Hélder Câmara, Mahatma Gandhi, Paulo Freire e Martin Luther King, este Prêmio Nobel da Paz 1964. O primeiro, um integralmente diferente da Cúria Romana; o segundo, um filho de ricos que se tornou um gigante da libertação da Índia; o terceiro, um educador que mundialmente favoreceu a migração de muitos de uma transitividade ingênua para uma transitividade crítica, alavancando saberes e responsabilildades sociais; e o quarto, também adepto de uma não-violência-ativa, tornou-se uma das maiores vozes proféticas do século XX, a partir de sua militância, como pastor batista de uma igreja de Montgomery, no Alabama, Estados Unidos, na segunda metade dos anos 50 e metade primeira da década seguinte, quando foi estupidamente assassinado.
Os meus ídolos possuíam uma característica comum: a não-violência ativa como recurso único para alavancar consciências, ampliar enxergâncias, reduzindo egoísmos e auto-devoramentos através de indispensáveis mutações históricas, pacíficas se possíveis. Todos eles sabiam fazer acontecer, sem postarem-se de donos da verdade, percebendo que as vitórias nunca emergem de imediato, tal e qual as sementes jogadas ao vento, algumas se nulificando, outras tornadas sem potência fertilizadora, as significativas abraçando os sinais aritméticos de “mais” e de “multiplicação”, pouco se lixando para ganhos e perdas conjunturais, a utopia à frente sempre a exigir novas iniciativas, coragem e fé.
Das leituras dos escritos dos quatro notáveis, do Luther King conhecia apenas o seu famoso Eu Tenho Um Sonho, pronunciado em 23 de agosto de 1963, em Washington, D.C., por ocasião da Marcha por Trabalho e Liberdade, poucos meses antes do assassinato de John Kennedy, em Dallas.
Minha deficiência foi agora em parte superada pela publicação, pela Jorge Zahar Editor, de Um Apelo à Consciência – Os Melhores Discursos de Martin Luther King, editado por Clayborn Carson e Kris Shepard.
Cada pronunciamento de King foi devidamente apresentado por uma personalidade, o primeiro sendo da autoria de Rosa Louise Parks, aquela militante negra recentemente tornada eternidade, que em primeiro de dezembro de 1955 tinha-se recusado a dar seu assento no ônibus a um branquelo racista, sendo presa, ensejando a criação da Associação pelo Progresso de Montgomery, quatro dias depois, quando Martin Luther King foi aclamado presidente e porta-voz da entidade.
O livro deveria ser lido por vários extratos da nossa sociedade, onde uma “capacidade de maravilhamento” alienada que se imagina isenta de atropelamentos históricos ainda não percebeu a gravidade da denúncia feita por Roland Corbisier, um dos talentos pátrios: “a periferia está exportando o seu ser e importando o seu não-ser”. E também pelos desvairados de todos os naipes, que se souberem compreender com isenção de ânimos saberão perceber que, usando aqui as palavras de Luther King, “não é hora de se comprometer com o luxo do comedimento ou de tomar o tranqüilizante do gradualismo. Agora é hora de concretizar as promessas da democracia. Agora é hora de deixar o vale sombrio e desolado da segregação pelo caminho ensolarado da justiça racial. Agora é hora de conduzir a nossa nação da areia movediça da injustiça racial para a sólida rocha da fraternidade. Agora é hora de tornar a justiça uma realidade para todos os filhos de Deus”.
Num instante histórico que vivemos, Luther King parece querer advertir todos os brasileiros: “não basta falar do amor. O amor é um dos pilares da fé cristã, mas há uma outra face chamada justiça. Justiça é corrigir com amor aquilo que se rebela contra o amor”.
Navegar é indispensável, viver de qualquer jeito já não é muito recomendável, nestes tempos de pós-modernidade.