ANTES QUE A VACA TUSSA


Como justificar a estratégia de um deputado federal, bunda mole e de um partido nanico, a iludir milhares de pessoas, que não enxergam suas manobras diversionistas e marketing cinicamente calculado para 2014? Espertamente, malandragem calculada no semblante quase debiloide, ele está engabelando um eleitorado que ainda se encontra, em sua grande maioria, num estágio mentalmente subdesenvolvido, ratificando aquilo que o notável Gunnar Myrdal, economista sueco, já dizia na minha época de graduação universitária, quando o professor Germano Coelho, nosso professor e paraninfo, nos brindava com exposições inesquecíveis: “O pior subdesenvolvimento é o mental”.

Outro dia, o meu irmão João Silvino da Conceição, caminheiro que nem eu, aos trancos e barrancos, por um Brasil menos corrupção e embromação, disse com propriedade: “Tenha sempre fidelidade pelas suas opiniões, mas não as torne fixas diante de conhecimentos mais bem fundamentados. Nossas opiniões não passam de opiniões, jamais serão a verdade, posto que ninguém sabe o que é a verdade. Todas as pessoas que se imaginam donas da verdade se tornam inquisidoras, desconhecendo o que significa tolerância”. E enumerou algumas personalidades, inclusive o Joaquim Barbosa, algumas outras vivas e inúmeras já transpostas, que persistem batalhando para a edificação de uma civilização brasileira menos estupidificante.

Depois de um papo bem espichado, regado a pastéis e guaranás, Silvino fez elogio rasgado a dois livros lançados recentemente. O primeiro, editado pela Bertrand Brasil, foi escrito por um dos principais pensadores contemporâneos, Edgar Morin, nascido em 1921, também antropólogo, sociólogo e filósofo. Orientações oferecidas para além dos tempos de agora, um mundo recheado de conflitos étnicos, religiosos e políticos, onde até um ditador ainda quase adolescente, fisionomia de paspalho, quer brincar de tocar fogo no mundo, esquecendo-se de colocar o rabo de molho, posto que será um dos primeiros tosqueados. O livro A Via – Para o Futuro da Humanidade apresenta panorama de um mundo em crises sucessivas, causadas por três vertentes: a mundialização, a ocidentalização e o desenvolvimento. E entre caos e sobrevivência, Edgar Morin busca traçar as linhas mestras de uma reestruturação de práticas e pensamentos coletivos de uma sociedade planetária que necessita tornar-se mais humana e solidária, sob pena de incalculáveis catástrofes.

Afirmando ser suas reflexões apenas uma versão preliminar repleta de lacunas, futuramente complementada por especialistas, Morin reproduz o que escreveu no fim do prefácio de O Método: “Sinto-me conectado ao patrimônio planetário, animado pela religião do que religa, pela rejeição daquilo que rejeita, por uma solidariedade infinita.”

O segundo livro, A Grande Regeneração – a decadência do mundo ocidental, Planeta 2013, é de autoria de Niall Ferguson, um dos mais admirados historiadores da Grã-Bretanha atual, professor de nomeada na Harvard Business School e na London School of Economics, tendo sido, em 2004, considerado uma das cem pessoas mais influentes do planeta. Nele, ratificando conclusões feitas por intelectuais de renome, Ferguson analisa o declínio de um liberalismo econômico, que já foi considerado vitorioso nos anos 80 do século passado, quando da derrubada do Muro de Berlim, hoje a favorecer uma crescente desigualdade social, uma degringolação das finanças públicas, gerando uma desaceleração econômica do mundo ocidental, definido atualmente como “estado estacionário”, classificação feita por Adam Smith para países/regiões ricos que findaram estagnados ao longo da história.

Na sua análise, Ferguson explicita as principais causas de tamanha desaceleração econômica: a desalavancagem financeira ou a política fiscal, a falta de investimentos efetivos em educação pública ou a descidadanização de uma sociedade civil cada vez mais hedonista e contempladora do próprio umbigo, sem atentar para suas dívidas sociais. E mais: o não-cumprimento das leis, o descrédito de uma população cada vez mais envelhecida, o desprezo pelos anseios dos mais jovens, os fundamentalismos suicidas, a descriatividade idioticamente desabrida da publicidade e a não-enxergância metida a redentora do livre mercado. O conjunto proporcionando uma irrefreável degeneração crescente da atual estrutura comunitária.

No livro do Ferguson há um capítulo que deveria ser cuidadosamente lido pelos possuidores de responsabilidade política. Intitulado Sociedades civis e incivis, nele se constata dados cidadanizadores de uma época: as 112 igrejas protestantes que existiam, na virada do século XX em Manhattan e Bronx, eram responsáveis por 48 escolas industriais, 45 bibliotecas ou salas de leitura, 44 escolas de costura, 40 jardins de infância, 29 bancos de depósitos e associações de empréstimos, 21 agências de emprego, 20 ginásios e piscinas de natação, 8 dispensários, 7 berçários em tempo integral e 4 pensões. Vitalidade religiosa diminuída consideravelmente tempos depois através de dois significativos indicadores: redução de 35% em reunião pública sobre assuntos da cidade ou da escola e redução de 61% na afiliação a associações de pais e mestres.

Consta do livro, ainda para a área educacional, uma tremenda bofetada em todos nós, educadores de um Brasil de democracia nem sempre efetiva: “a revolução educacional do século XX foi tornar a educação básica disponível para a maioria das pessoas nos países democráticos. A revolução educativa do século XXI será fazer que uma educação de qualidade esteja disponível para uma proporção cada vez maior de crianças. Se você é contra isso, então é você o verdadeiro elitista: é você quem quer manter as crianças pobres em escolas ruins”.

Em síntese, é chegada a hora de dar um basta nas culturas de fingimento: políticas, culturais educacionais e religiosas. Nos “tecnotimismos” midiáticos apenas para inglês ver. Nos Sistemas Estaduais de Educação que se postam agindo apenas bur(r)ocraticamente, que desconhecem que, no mundo, apenas existirão em breve dois tipos de pessoas: as que possuem uma mente carregada e as que cavam. E onde tudo não será apenas o bastante, como nos ensinou o rabino Harold Kushner, em seu livro notável. E que um dos piores inimigos do Estado de direito é uma má legislação, atabalhoadamente produzida em madrugadas tensas do Congresso Nacional.

O mais é trabalho decente, paixão desmediocrizada e mobilizadora responsabilidade social, os baderneiros postados atrás das grades.

(Publicada em 01.07.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves