ANGÚSTIA DISCENTE


Na lanchonete de uma instituição de ensino superior não-picareta, bem administrada e de excelente conceito junto à comunidade, aluno solicita uns instantes de atenção para desabafar um problema que o vem incomodando há bom tempo, desde quando ainda aluno do ensino médio, num estabelecimento da região metropolitana. E o problema exposto, segundo ele, é quase unanimidade entre seus colegas acadêmicos: não consegue mais pensar do mesmo modo que costumava fazer antes. E revela, com angústia, que sente mais agudamente a questão quando se encontra lendo. Que costumava mergulhar nas páginas de um livro ou artigo longo, a mente sempre acompanhando as reviravoltas da narrativa ou as mudanças dos argumentos, passando horas maravilhado em longos trechos de prosa. De uns tempos para cá, segundo ele ainda, raramente isso acontece. A concentração se extravia depois de uma ou duas páginas, provocando a perda do sentido do já lido, toda leitura mais extensa tornando-se uma verdadeira batalha.

As angústias reveladas pelo acadêmico, aliás um aluno de densidade intelectual bem acima da média, tem razões de ser que merecem ser amplamente analisadas por especialistas dos mais variados setores. Algumas ponderações, por atrevimento pessoal, merecem aqui registro: a. o nosso antigo processo de pensamento linear se encontra irreversívelmente ultrapassado, poucos ainda acompanhando as análises teóricas feitas por Edgar Morin, a partir do que foi por ele denominado “pensamento complexo”. Segundo especialistas, “a mente linear, calma, focada, sem distrações, está sendo expulsa por um novo tipo de mente que quer e precisa tomar e aquinhoar informações em surtos curtos, desconexos, frequentemente superpostos, quanto mais rapidamente melhor”; b. que a evolução histórica da humanidade atingiu uma gigantesca velocidade, desatenta para uma “geração net” que ainda não sabe diferenciar “informação” de “conhecimento”; c. que a evolução tecnológica dos meios de comunicação se acelera em progressão geométrica, desnorteando muitos que ainda estão situados em estágios anteriores ao surgimento das inventividades internéticas; d. que os sentimentos advindos das leituras diversas, desde quando Gutenberg tornou popular a leitura de livros, favorecendo a emersão imaginativa do Renascimento, a racional do Iluminismo, a inventiva da Revolução Industrial, a subversiva do Modernismo, esta já sendo aceleradamente substituída por atividades “nerdológicas”, a caminho de uma maturidade digital substitutiva da outrora simplesmente analógica,

Daí a necessidade de um sistema educacional diferenciado dos existentes há décadas nos países em desenvolvimento. Bibliotecas digitais atualizadas favoreceriam jovens e adultos na direção de uma apreensibilidade analítica mais criativa, menos bolorenta e nostálgica, onde os ontens servissem apenas de referência histórica comparativa às parametrizações dos amanhãs radicalmente diferenciados dos moldes da imersão digital contemporânea. Confirmando a previsão de Marshall McLuhan que anunciava que “chegaríamos a um importante divisor de águas de nossa história intelectual e cultural”. Infelizmente, favorecendo a multiplicações de contextos sociais distanciados entre si, alguns pós-modernos, outros “modernosos”, a maioria sem muita eira e pouca beira.

Para o universitário angustiado, recomendo a leitura de uma texto muito esclarecedor, sem o “compliquês” dos que perderam a objetividade do transmitir para os iniciantes. Intitulado A Geração Superficial, de Nicholas Carr, editora Agir, o livro analisa com competente senso crítico o que aconteceu com o próprio autor, favorecendo no leitor uma convivialidade prazerosa com uma tecnologia sempre evolucionária, sem temor algum de perder a tesão por uma criticidade que proporcione a manutenção preventiva do conhecer mais, sem as deteriorações mentais que estão afetando nostálgicos e desatentos. Uma leitura inadiável para aqueles que buscam educar seus pimpolhos para amanhãs civilizatórios brasileiros cada vez mais digitalizados, respeitando mais o nosso meio-ambiente. Inclusive para os mais velhos, que ainda imaginam que seus neurônios já são incapazes de romper antigas conexões, formando outras, a partir da criação de novas células, o segredo sendo estabelecido a partir do rico caldo químico das sinapses de cada cérebro.

Também indicaria para alunos angustiados, com pleno entusiasmo, a leitura de Slow Reading – O Benefício E O Prazer Da Leitura Sem Pressa, de John Miedema, editora Octavo, 2011. Explicando, segundo o próprio autor: “Slow reading significa ler em ritmo reflexivo. A leitura lenta de um livro leva a uma relação mais profunda com suas hitórias e lendas. Quando leio um livro lentamente, ele continua me influenciando mesmo depois de passados anos”.

Para quem não o conhece, John Miedema é especialista em TI – Tecnologia da Informação da IBM, onde se especializou em tecnologias das redes. Em épocas velozes como a nossa, onde “fast food” se pratica até nas relações sexuais, o livro do Miedema proporciona excelentes indicativos preventivos para os consumidorees das “leituras eletrônicas” e “internéticas”: “Discuta com o livro. O que ele apresenta, se comparado com a sua experiência? Qualquer escolha deliberada que o faça desacelerar é um acréscimo à riqueza da sua leitura. Esteja preparado para uma inversão de figura e campo à medida que o seu cenário se esmaece para ceder lugar ao fundo, e você se perde num estado descontraído de leitura lúdica. Abrindo desse modo o seu eu para um livro, você atrai ideias e sentimentos que enriquecem e expandem a sua interioridade. A leitura é a construção de um Eu mais profundo”

(Publicada em 09.07.2012 no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco
Fernando Antônio Gonçalves