ANÁLISE DE UM TEXTO MÓRBIDO


Do jornalista Antoine Vitkine, também produtor de filmes-documentários, a editora Nova Fronteira entregou recente aos brasileiros um livro que bem esclarece sobre as ideias contidas num texto chamado Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler, descrevendo como elas foram difundidas através de táticas diversas. Denominado Mein Kampf: a História do Livro, ele analisa a trajetória das ideias alucinantes do ditador nazista que dominou a Alemanha de 1933 a 1945, quando suicidou-se às vésperas da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial.

Segundo Vitkine, Hitler principiou a ditar seu livro quando se encontrava preso em Landsberg, condenado pela baderna praticada numa cervejaria de Munique, em novembro de 1923. Texto posteriormente aprimorado, dada sua enfadonha repetitividade e difícil leitura. De título original “Quatro anos e meio de luta contra mentiras, estupidez e covardia”, o título do livro em dois volumes foi abreviado por Max Amann, encarregado das publicações nazistas, para Mein Kampf (Minha Luta), tornando-se um dos mais vendidos em todos os tempos. O primeiro volume, eminentemente autobiográfico, foi publicado em julho de 1925, enquanto o segundo, que expressa a doutrina nazista, foi publicado em 1926.

O livro do Vitkine pode ser classificado como uma criteriosa coleta de informações, mostrando a trajetória de sucesso de páginas onde se explicitam as intenções mórbidas e as mentiras discursivas de Hitler, expostas para a sociedade alemã cuja grande maioria não era composta de antissemitas, não pleiteva caminhos bélicos e se mantinha distanciada das teses nazistas. Como exemplo, o jornalista reproduz uma das manobras ilusionistas do ditador: “Só insistindo constantemente no desejo de paz e nas intenções pacíficas da Alemanha é que me será possível dotar o povo alemão dos armamentos que sempre foram a base necessária para a etapa seguinte”. Enquanto para o seu Estado Maior ele declarava: “Essa gente não quer mais saber de guerra e grandeza. De minha parte, contudo, eu quero a guerra e todos os meios serão bons para isto”

O livro do criminoso nazista é dominado pelo antissemitismo mais radical, a ponto de proclamar que o Esperanto, língua criada por Zamenhof, integrava uma conspiração internacional dos judeus para o estabelecimento de uma dominação universal, reforçando, assim, sua tese principal, a do Perigo Judeu, para ganhar a liderança política na Alemanha.

Para aquilatar o antissemitismo do ditador, poucas pessoas sabem que a palavra “judeu” é a mais citada em Minha Luta, de Adolfo Hitler. Aparecendo 373 vezes, a palavra “judeu” é mais citada que “Alemanha”, “raça”, “guerra”, “marxismo”, “França” e “nacional-socialismo”.

O autor de Mein Kampf: a história do livro ressalta as sete lições oferecidas pelo texto de Adolfo Hitler: 1. O entendimento do livro requer que se dê atenção redobrada aos projetos políticos fanáticos e violentos dos demais ditadores, sem nunca subestimá-los; 2. A lembrança e a maneira como este livro foi considerado, de somenos importância, deve ser sempre preventivamente ressaltadas; 3. Nunca menosprezar a vontade política contida no livro; 4. A barbárie pode conviver facilmente com a democracia; 5. O antissemitismo desempenhou papel determinante nos crimes názis; 6. O livro representa a negação da sociedade democrática; 7. Inútil manter o livro proibido, à distância ou no fundo do inconsciente coletivo, valendo bem mais extrair deles as “vacinas” indispensáveis.

O escrito de Vitkine é conclusivo: “Poucos judeus alemães, as primeiras vítimas judias de Hitler, entenderam que se encontrava em Mein Kampf a justificativa do aniquilamento dos judeus, ou mesmo a forma que ele poderia assumir. … “Quando vieram finalmente a se dar conta de que o projeto contido em Mein Kampf tornava-se realidade, para muitos já foi tarde demais”.

Apenas uma personalidade, quase menosprezada pelo poder político de então, em 1933 assegurou que “a Alemanha názi não é apenas preocupante, é também um enigma universal”. Este quase profeta chamava-se Winton Churchill. Um inglês, futuro primeiro-ministro e um dos heróis da Segunda Guerra Mundial, também autor do memorável Uma História dos Povos de Língua Inglesa, editado em 2009, também pela Nova Fronteira.

Recomendo ainda, com entusiasmo, a leitura de O Holocausto, de Martin Gilbert, Hucitec, 2010. Páginas que devem ser lidas, relidas e bem guardadas na memória dos povos e nações, para lembrar a todos o que nunca mais deverá acontecer. Inclusive as omissões pusilânimes de bispos e pastores.

PS. Reflexão excelente a do jornalista Fernando Rodrigues, da FSP, após os resultados eleitorais brasileiros: “Conviver com as diferenças e aceitar a diversidade é uma obrigação cívica”. … “O estranhamento piorará com a ascensão de milhões à classe média. Eis aí um desafio complexo. Mais difícil do que extirpar a pobreza extrema, como prometeu Dilma”. Uma reflexão que se ajusta perfeitamente aos que combatem, no Brasil, os preconceitos do Leste-Sul contra o Norte-Nordeste. E vice-versa também.

(Publicada hoje, 08/11/2010, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves