ANALFABETO DE NÍVEL SUPERIOR


O fato aconteceu com um filho do João Silvino da Conceição, vestibulando de uma “falcudade” sediada no Grande Recife. Terminada a seleção, feita em manhã de dia único, recebeu, na saída, o boleto de pagamento das primeiras mensalidades. Surpreso, obteve a seguinte explicação: – Não se preocupe com o resultado, você e os demais não serão reprovados. Envergonhado com a bandalheira, rasgou o boleto na frente do entregador, faltando pouco para uma denúncia no Ministério Público.
O ocorrido reveste-se de uma gravidade ímpar. Revela a alibabalidade do ensino superior brasileiro, dele já tendo emergido a classificação “analfabeto de nível superior”, retrato do ser humano que é aprovado em vestibular por arte e graça de todas as “maracutaias mercadológicas”, pouco se lixando para as seqüelas apontadas por um reitor de respeito: “a existência de mais vagas que candidatos para o vestibular, as facilitações do próprio processo seletivo e o precário ensino básico estão levando para o ensino superior praticamente todos os que o procuram, inclusive aqueles analfabetos funcionais. Eles foram flagrados no ensino fundamental, de lá chegam fácil ao ensino médio, que os remete com ligeiros retoques ao ensino superior. É claro que a grande maioria acaba se formando. São incapazes de entender um texto, menos ainda de fazer uma redação coerente. É fato que grande parte acaba se formando e, claro também, que o diploma, na maioria das vezes, servirá apenas para um quadro na parede”.
Tem meu entusiasmo a percepção estratégica da Secretária de Educação Superior do MEC, Maria Paula Dallari Bucci, docente da Fundação Getúlio Vargas, uma das instituições brasileiras respeitadas, de caminhada histórica aplaudida há décadas. Segundo ela, é necessário cobrar efetivamente das universidades a exigência de ter, pelo menos, um terço do seu corpo docente em regime de tempo integral. Uma legislação que já deveria estar sendo cumprida há quatro anos, atualmente sendo observada por apenas 43% das universidades privadas.
Segundo ela, “há cursos privados de excelência e há cursos públicos com problemas. Em Medicina, 4 dos 17 cursos com avaliação insatisfatória são públicos”. Apesar de a avaliação do MEC apontar que 96% das instituições com baixas notas são particulares.
A ínfima qualidade dos alunos está diretamente vinculada a uma frágil qualificação dos professores. Há até um ditado que diz que “quem sabe, faz, quem não sabe ensina numa instituição privada de ensino superior, e quem não sabe, nem faz e nem sabe ensinar vira consultor educacional dela”, com direito a arrotos de grandeza e textos ininteligíveis, laptop e olhares de soslaio, entre outras quinquilharias made in Paraguai, integrando um “embromation merchandising”.
Percebe-se hoje, sem qualquer esforço, que a sociedade civil brasileira cambaleia entre uma expressividade comodista e uma politização impotente, necessitando revigorar-se para novas edificações estruturais. A chicotada do crítico de artes Robert Hughes, do Times, é oportuna: “A velha divisão de direita e esquerda acabou se assemelhando mais a duas seitas puritanas, uma lamentosamente conservadora, a outra posando de revolucionária mas usando a lamentação acadêmica como maneira de fugir ao comprometimento no mundo real “.
A crise financeira atual, que alguns gabolas apelidaram de marolinha, favorecerá iniciativas sementeiras, dando razão a Bertrand Russell, um Prêmio Nobel que disse, em 1950, quando da sua premiação: “o que mais precisamos para tornar o mundo feliz é de inteligência”. Para eleger outros Obamas mundo a fora, favorecendo sistemas educacionais que alertem sobre um não-pensar que está viciando muitos a nunca tomar decisões. Ampliando a “obscuridade da mente”, como denunciava a sempre lembrada Hannah Arendt. Que ainda lembrava: “só tenho consciência na medida em que exercito minha capacidade de pensar”.